São Paulo, quarta-feira, 02 de outubro de 2002

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BIOTECNOLOGIA

Organização britânica condena teste genético de embriões para predizer características como inteligência

Conselho critica seleção de comportamento

MARCELO LEITE
EDITOR DE CIÊNCIA

Desta vez os bioeticistas conseguiram se adiantar aos fatos consumados da biotecnologia e estão recomendando proibir a seleção de comportamentos com base em genes -antes mesmo que isso se torne praticável. É o que aconselha um relatório a ser lançado hoje pelo respeitado Conselho Nuffield de Bioética, do Reino Unido.
A principal recomendação diz respeito ao chamado diagnóstico genético pré-implantação. A técnica consiste em retirar uma célula do embrião humano na fase em que ainda tem 8-12 delas e examinar o estado de seus cromossomos ou sequências específicas de DNA, para identificar anomalias graves. Quando isso ocorre, o embrião pode ser descartado.
O procedimento só pode ser empregado em embriões produzidos por fertilização in vitro (FIV). Segundo a agência Associated Press, pelo menos mil bebês já nasceram depois de passar por essa seleção (utilizada até em clínicas de reprodução de São Paulo). O relatório condena a inclusão, nesse exame, de sequências de DNA que venham a ser relacionadas a comportamentos.
O documento do Nuffield, o sétimo desse gênero lançado desde 1991 pela organização independente (três deles só em 2002), contempla as implicações éticas e jurídicas da genética comportamental. A revisão da literatura científica que lhe deu origem se concentrou nas tentativas de localizar genes relacionados com traços considerados "normais" em sentido estatístico, ou seja, usualmente 95% de uma população.
No caso, as características consideradas incluem inteligência, comportamento anti-social, traços de personalidade e orientação sexual. O relatório destaca que ainda não foram identificados genes inequivocamente ligados com tais características, mas afirma que não é cedo demais para começar a se preocupar com isso.
"Essa é uma área potencialmente explosiva", afirmou Bob Hepple, do Clare College (Universidade de Cambridge, Reino Unido), num comunicado prévio do conselho à imprensa. Ele chefiou o grupo de trabalho de 13 especialistas criado pelo Nuffield para examinar a literatura sobre o tema e as cerca de 120 manifestações recebidas do público (em resposta a 1.300 solicitações).
"A primeira questão que fizemos foi se, antes de mais nada, esse tipo de pesquisa deveria ser realizado", disse Hepple. "Concluímos que ela pode ser justificada porque tem o potencial de fazer avançar nossa compreensão do comportamento humano. No entanto, é importante criar salvaguardas para prevenir abusos."
O documento do Conselho Nuffield também critica a tendência a associar características comportamentais a um único gene. Dá como certo que multidões de genes estão envolvidos, em diálogo com as condições ambientais.
"O termo "gene de X" é enganador", disse Hepple, referindo-se à proliferação de expressões como "gene da esquizofrenia". "Não se deve superestimar o poder de predição dos genes. É importante assinalar que os efeitos dos genes não são inevitáveis."
O relatório pode ser obtido na página do Nuffield na internet (www.nuffieldbioethics.org).


Com agências internacionais
O jornalista Marcelo Leite viajou ao Reino Unido a convite do Conselho Britânico (www.britishcouncil.org.br)


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