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GEOLOGIA
Encontro na capital portuguesa revê teses sobre o pior tremor da história européia, que fez 250 anos ontem
Cientistas tentam
explicar terremoto
que arrasou Lisboa
CHRISTIANE GALUS
DO "LE MONDE"
Há 250 anos, o pior terremoto
da história da Europa destruiu a
cidade de Lisboa, mas suas causas
ainda são pouco compreendidas
pela ciência. Para discutir o fenômeno, que pode ter matado até
100 mil pessoas, uma conferência
científica internacional começou
ontem, dia do aniversário da catástrofe, na capital portuguesa. A
idéia é também mostrar como as
grandes cidades modernas ainda
são suscetíveis ao problema.
O tremor de terra em 1º de novembro de 1755 foi violento e deve
ter ficado entre 8,5 e 9 graus na escala Richter. Poucos minutos depois do terremoto, um tsunami
com ondas que tinham entre 5 m
e 10 m se abateu sobre a zona baixa da cidade, submergindo boa
parte de Lisboa. As brasas das
chaminés, carregadas pelo vento,
favoreceram um imenso incêndio, que durou cinco dias.
A catástrofe não atingiu só Portugal: partes da Espanha e as cidades marroquinas de Meknes, Fez
e Marrakech também foram afetadas. As ondas levantadas pelo
fenômeno chegaram até a Inglaterra e atravessaram o Atlântico,
atingindo o Caribe.
O terremoto, que aconteceu durante o Dia de Todos os Santos em
um dos países mais católicos da
Europa, levou a uma série de
questionamentos teológicos e filosóficos. Pensadores como o
francês Voltaire (1694-1779) se
puseram a debater o problema do
mal e do sofrimento imerecido
dos seres humanos.
Mas o tremor de terra também
levou os europeus a tentar abordar pela primeira vez o fenômeno
de forma científica. Durante muito tempo, acreditava-se que os
terremotos surgissem de emanações gasosas vindas de cavernas
no interior do planeta. Foi preciso
esperar dois séculos para que os
conhecimentos sobre os abalos
sísmicos, a estrutura da Terra e as
placas tectônicas (as "balsas" de
rocha e material fundido nas
quais se divide a crosta terrestre)
permitissem abordar o assunto de
forma mais precisa.
Apesar disso, conta Marc-André Gutscher, geofísico do Instituto Universitário Europeu do Mar,
"os cientistas ainda se perguntam
qual foi a causa desse tremor
enorme. Dependemos de referências históricas e não temos dados
de qualidade suficiente para fazer
um estudo mais refinado dele".
Gutscher, que pesquisa as origens do terremoto, deve apresentar os resultados de seu trabalho
no encontro de Lisboa. Segundo
ele, a falha (nome genérico para
os pontos de tensão entre as placas tectônicas) que teria causado a
tragédia se situa no golfo de Cádiz
(sul da Espanha), uma região onde a placa tectônica da África e a
da Eurásia se chocam. A primeira
empurra a segunda para o noroeste a uma velocidade de quatro
milímetros por ano.
Gutscher e seus colegas realizaram duas campanhas oceanográficas no ano passado e neste ano.
A primeira permitiu traçar o relevo submarino da região. A segunda gerou uma imagem em três dimensões da estrutura interna das
camadas sedimentares do golfo.
"Elas ficam dobradas a uma profundidade 2.000 m a 4.000 m, ao
longo de uma zona de geometria
parecida com uma ferradura",
conta o pesquisador.
No local, parte da placa oceânica africana mergulha debaixo do
bloco continental alborano, uma
microplaca independente que está instalada entre as placas da
África e da Eurásia e que faz um
movimento em direção ao oeste.
No mergulho, a placa oceânica
desce a grande profundidade.
Em profundidades entre 10 km
e 40 km abaixo da crosta, no ponto de fricção entre as duas placas,
as tensões se acumulam. Se houver uma ruptura na rocha, um tremor como o de 1755 pode ocorrer.
"As observações das avalanches
submarinas causadas nessa zona
pelos tremores parecem indicar
que eles acontecem a cada 1.500
ou 2.000 anos", diz Gutscher.
Esse cenário catastrófico, porém, não é o único que se propõe
a explicar a tragédia. Outros pesquisadores supõem que o terremoto de Lisboa tenha sido causado por uma falha situada no vale
do rio Tejo, o principal de Portugal. Até hoje, porém, ninguém
provou a idéia. Há ainda outra tese, que fala de uma região no
Atlântico a sudoeste de Portugal
que foi apelidada de "marquês de
Pombal" (nome do primeiro-ministro português em 1755).
Nela, os sedimentos aparecem
deformados no solo marinho.
"Mas essa deformação parece
modesta demais para deflagrar
um tremor muito grande", diz
Gutscher. Uma terceira hipótese
culpa o banco de Gorringe, uma
estrutura tectônica de grande tamanho, situada ao longo do limite
entre as placas da Eurásia e da
África. Essa hipótese também é
questionada pelos pesquisadores.
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