São Paulo, quarta-feira, 02 de novembro de 2005

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GEOLOGIA

Encontro na capital portuguesa revê teses sobre o pior tremor da história européia, que fez 250 anos ontem

Cientistas tentam explicar terremoto que arrasou Lisboa

CHRISTIANE GALUS
DO "LE MONDE"

Há 250 anos, o pior terremoto da história da Europa destruiu a cidade de Lisboa, mas suas causas ainda são pouco compreendidas pela ciência. Para discutir o fenômeno, que pode ter matado até 100 mil pessoas, uma conferência científica internacional começou ontem, dia do aniversário da catástrofe, na capital portuguesa. A idéia é também mostrar como as grandes cidades modernas ainda são suscetíveis ao problema.
O tremor de terra em 1º de novembro de 1755 foi violento e deve ter ficado entre 8,5 e 9 graus na escala Richter. Poucos minutos depois do terremoto, um tsunami com ondas que tinham entre 5 m e 10 m se abateu sobre a zona baixa da cidade, submergindo boa parte de Lisboa. As brasas das chaminés, carregadas pelo vento, favoreceram um imenso incêndio, que durou cinco dias.
A catástrofe não atingiu só Portugal: partes da Espanha e as cidades marroquinas de Meknes, Fez e Marrakech também foram afetadas. As ondas levantadas pelo fenômeno chegaram até a Inglaterra e atravessaram o Atlântico, atingindo o Caribe.
O terremoto, que aconteceu durante o Dia de Todos os Santos em um dos países mais católicos da Europa, levou a uma série de questionamentos teológicos e filosóficos. Pensadores como o francês Voltaire (1694-1779) se puseram a debater o problema do mal e do sofrimento imerecido dos seres humanos.
Mas o tremor de terra também levou os europeus a tentar abordar pela primeira vez o fenômeno de forma científica. Durante muito tempo, acreditava-se que os terremotos surgissem de emanações gasosas vindas de cavernas no interior do planeta. Foi preciso esperar dois séculos para que os conhecimentos sobre os abalos sísmicos, a estrutura da Terra e as placas tectônicas (as "balsas" de rocha e material fundido nas quais se divide a crosta terrestre) permitissem abordar o assunto de forma mais precisa.
Apesar disso, conta Marc-André Gutscher, geofísico do Instituto Universitário Europeu do Mar, "os cientistas ainda se perguntam qual foi a causa desse tremor enorme. Dependemos de referências históricas e não temos dados de qualidade suficiente para fazer um estudo mais refinado dele".
Gutscher, que pesquisa as origens do terremoto, deve apresentar os resultados de seu trabalho no encontro de Lisboa. Segundo ele, a falha (nome genérico para os pontos de tensão entre as placas tectônicas) que teria causado a tragédia se situa no golfo de Cádiz (sul da Espanha), uma região onde a placa tectônica da África e a da Eurásia se chocam. A primeira empurra a segunda para o noroeste a uma velocidade de quatro milímetros por ano.
Gutscher e seus colegas realizaram duas campanhas oceanográficas no ano passado e neste ano. A primeira permitiu traçar o relevo submarino da região. A segunda gerou uma imagem em três dimensões da estrutura interna das camadas sedimentares do golfo. "Elas ficam dobradas a uma profundidade 2.000 m a 4.000 m, ao longo de uma zona de geometria parecida com uma ferradura", conta o pesquisador.
No local, parte da placa oceânica africana mergulha debaixo do bloco continental alborano, uma microplaca independente que está instalada entre as placas da África e da Eurásia e que faz um movimento em direção ao oeste. No mergulho, a placa oceânica desce a grande profundidade.
Em profundidades entre 10 km e 40 km abaixo da crosta, no ponto de fricção entre as duas placas, as tensões se acumulam. Se houver uma ruptura na rocha, um tremor como o de 1755 pode ocorrer. "As observações das avalanches submarinas causadas nessa zona pelos tremores parecem indicar que eles acontecem a cada 1.500 ou 2.000 anos", diz Gutscher.
Esse cenário catastrófico, porém, não é o único que se propõe a explicar a tragédia. Outros pesquisadores supõem que o terremoto de Lisboa tenha sido causado por uma falha situada no vale do rio Tejo, o principal de Portugal. Até hoje, porém, ninguém provou a idéia. Há ainda outra tese, que fala de uma região no Atlântico a sudoeste de Portugal que foi apelidada de "marquês de Pombal" (nome do primeiro-ministro português em 1755).
Nela, os sedimentos aparecem deformados no solo marinho. "Mas essa deformação parece modesta demais para deflagrar um tremor muito grande", diz Gutscher. Uma terceira hipótese culpa o banco de Gorringe, uma estrutura tectônica de grande tamanho, situada ao longo do limite entre as placas da Eurásia e da África. Essa hipótese também é questionada pelos pesquisadores.


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