São Paulo, sábado, 03 de fevereiro de 2001

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PALEONTOLOGIA

Ilha do Cajual tem dinossauros inéditos e pode revelar detalhes sobre geografia do Nordeste pré-histórico

Grupos disputam fósseis do Maranhão



Manoel Alfredo Madeiros/UFMA
Dentes de carcarodontossauro (à esq.) e de espinossauro, dinossauros carnívoros achados no MA


CLAUDIO ANGELO
DA REPORTAGEM LOCAL

Uma rocha de quatro hectares -cerca de seis campos de futebol- encravada numa ilha do norte do Maranhão virou alvo de um conflito entre a Universidade Federal daquele Estado e o Museu Nacional do Rio de Janeiro. Ambos disputam, literalmente, ossos -de animais que habitaram o local há 95 milhões de anos.
Batizada de laje do Coringa, a rocha está numa praia da ilha do Cajual. É tida como o local com a maior concentração de fósseis de dinossauros por hectare do país. Ali foram descobertos ossos petrificados de bichos que não se sabia terem existido no Brasil, como o astrodonte -um dinossauro herbívoro da família dos braquiossauros, os animais mais altos que já andaram sobre o planeta.
Também foram achados restos de grandes carnívoros, como o carcarodontossauro (um parente avantajado do titanossauro) e o espinossauro (que tinha focinho de jacaré e comia peixes).
"É um lugar único no país", diz o paleontólogo Manuel Alfredo Medeiros, da UFMA (Universidade Federal do Maranhão), que trabalha na coleta e identificação dos fósseis da laje.

Expedição do Rio
Também de olho na ilha está o projeto Em Busca dos Dinossauros, a maior expedição paleontológica do Brasil (leia texto abaixo, à direita). Integrada por pesquisadores do Museu Nacional, a expedição deve partir hoje do Rio, para produzir um documentário sobre os dinossauros do Nordeste.
Descoberta em 1994, a laje do Coringa é um lugar único por dois motivos: primeiro, ela está numa praia, na linha da maré. A ação da água acabou erodindo as rochas e expondo os fósseis. Para achar dinossauros, basta caminhar pela superfície da rocha.
O outro motivo é que ela pode responder questões preciosas sobre a geografia do Cretáceo Médio (95 milhões de anos atrás). A fauna da ilha é muito parecida com a do norte da África naquela mesma época, o que sugere ligações entre África e América do Sul um pouco mais duradouras do que se supunha.
Até 100 milhões de anos atrás, os dois continentes eram uma única massa terrestre, que integrava o supercontinente Gonduana. Naquela época, Gonduana começou a rachar. Com a separação, as faunas africana e sul-americana foram, aos poucos, se diferenciando uma da outra.
Segundo Medeiros, o fato de a ilha do Cajual ter animais iguais aos do Marrocos 5 milhões de anos depois da separação pode ser indício de uma espécie de ponte terrestre entre os continentes (veja quadro à direita).
"Alguns autores propõem que possa ter havido derramamentos de lava no Atlântico que teriam servido de passagem para os animais", diz Medeiros. "Os nossos estudos reforçam essa hipótese."

Termo de conduta
Para poder trabalhar no local, os líderes da expedição do Rio precisaram assinar um termo de conduta, proposto pelo governo maranhense. Pelo documento, eles se comprometem, entre outras coisas, a submeter a coleta de fósseis na ilha à fiscalização da UFMA.
O temor dos maranhenses é que fósseis importantes coletados sejam levados para o Rio de Janeiro. Uma vez lá, o acesso de pesquisadores do Maranhão a eles seria mais difícil. "Esses bichos ficaram 95 milhões de anos no Maranhão. Por que iriam para o Rio agora?" -questiona Medeiros.
Para o paleontólogo Sérgio Alex Kugland de Azevedo, coordenador científico da expedição, a preocupação não passa de "ciúme" dos maranhenses. "Há uma preocupação excessiva do Estado com o seu patrimônio", afirma.
Segundo Azevedo, há mais de 30 anos o Museu Nacional coleta fósseis não só no Maranhão, como em todos os outros Estados brasileiros. "Senão, como é que nós iríamos fazer um Museu Nacional? Só com fósseis da Quinta da Boa Vista?" -pergunta o cientista, referindo-se à região do Rio onde fica o museu.


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