|
Próximo Texto | Índice
COSMOLOGIA
Distorção gerada pela ação da gravidade de galáxias faz objetos antigos parecerem dez vezes mais brilhantes
Lentes cósmicas enganam os astrônomos
SALVADOR NOGUEIRA
DA REPORTAGEM LOCAL
Dois cientistas da Universidade Harvard, nos EUA, resolveram bancar o "Mister M" e revelar qual é a mágica por trás da existência de objetos extremamente
antigos -enormes buracos negros formados na juventude do
Universo- que parecem ser dez vezes maiores do que deveriam.
É realmente uma questão de ilusionismo. O responsável, segundo a dupla, seria um fenômeno conhecido entre os cientistas como lente gravitacional. Diferentemente do que se possa imaginar, não se trata de uma enorme vidraça cósmica que amplia objetos distantes. Mas o efeito é o mesmo.
A "ampliação" da intensidade
da luz vinda desses objetos distantes pelas lentes fez com que os
cientistas estimassem um valor
muito maior do que o real para
sua massa. Com a fraude cósmica
desfeita, agora é possível estimar a
massa correta para um terço dos
objetos desse tipo conhecidos, o
que fecha um tremendo buraco
nos modelos cosmológicos atuais.
As lentes gravitacionais foram
previstas originalmente pela teoria da relatividade, concebida por
Albert Einstein (1879-1955). Ele
defendia que objetos maciços entortavam o espaço ao redor (em
uma dimensão que não se pode
observar), causando o que é visto
como a ação da gravidade.
Sendo um resultado do "empenamento" do espaço, a gravidade
agiria sobre tudo que existe no
Universo, inclusive a luz. Pela teoria do britânico Isaac Newton
(1643-1727), a anterior, a gravidade seria calculada em função da
multiplicação das massas dos dois
corpos envolvidos. Se uma delas
fosse zero, como a da luz, mesmo
que a outra fosse enorme, como a
do Sol, o resultado final seria zero.
Einstein previu que, se houvesse
um corpo distante e um outro
mais próximo, ambos na mesma
linha de visão, o corpo da frente
iria entortar os raios de luz que vinham de trás, amplificando e
criando múltiplas imagens do objeto mais distante, como uma lente (veja o quadro à direita).
"Uma lente gravitacional foca a
luz do mesmo jeito que a lente de
um telescópio faz. De fato, uma
lente gravitacional pode ser considerada como um telescópio gentilmente fornecido a nós pela natureza", diz Abraham Loeb, co-autor da nova pesquisa, publicada
na última edição da revista "Nature" (www.nature.com).
Não é o que parece
O estudo de lentes gravitacionais feito por Loeb ajudou a diluir
um conflito entre os modelos que descrevem a origem e a evolução
do Universo e as observações.
No centro da confusão estão os
quasares, mais um tipo de objeto
do qual se costuma ouvir falar,
mas que ninguém explica direito.
Pelo que se entende, trata-se de
astros que emitem grande quantidade de ondas de rádio, embora
se pareçam, aos olhos humanos,
com estrelas (daí o nome "quasar", uma corruptela de "quasistellar object", ou "objeto quase-estelar"). Os cientistas acham que
eles sejam buracos negros imensos cercados por um monte de
matéria a ser devorada.
A luz que chega até a Terra deles
já tem 13 bilhões de anos de idade
-ou seja, os astrônomos os enxergam como eles eram cerca de 1
bilhão de anos após a formação
do Universo. Pelos modelos teóricos, eles só teriam tido tempo, naquela época, de acumular uma certa quantidade de massa, embora as observações apontassem
um valor dez vezes maior. O novo
estudo concilia as observações
com o modelo, mostrando que o
aparente excesso de massa vem
do brilho maior produzido pelo
efeito de lente gravitacional.
A dupla calculou quantos desses objetos poderiam ter seu brilho amplificado: um em cada três.
Teste da idéia
Embora seja uma previsão teórica, a distorção dos quasares por
lentes gravitacionais proposta pela dupla de Harvard é perfeitamente testável. O que deve acontecer em breve, diz Edwin Turner,
da Universidade de Princeton, em
seu comentário sobre a pesquisa
na mesma edição da "Nature".
Um grupo de astrônomos trabalhando com o Telescópio Espacial Hubble deve obter as respostas. Eles irão observar a luz desses
quasares distantes e ver se ela é
composta de múltiplas imagens
(um efeito típico das lentes gravitacionais). "As observações do
Hubble devem ser decisivas", diz
Turner. Os astrônomos aguardam, para saber se as imagens que
eles recebem das profundezas do cosmo não passam de um truque,
digno de David Copperfield.
Próximo Texto: Panorâmica - Biotecnologia: Parlamento da Europa decide futuro de OGMs Índice
|