São Paulo, quarta-feira, 03 de julho de 2002

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COSMOLOGIA

Distorção gerada pela ação da gravidade de galáxias faz objetos antigos parecerem dez vezes mais brilhantes

Lentes cósmicas enganam os astrônomos

SALVADOR NOGUEIRA
DA REPORTAGEM LOCAL

Dois cientistas da Universidade Harvard, nos EUA, resolveram bancar o "Mister M" e revelar qual é a mágica por trás da existência de objetos extremamente antigos -enormes buracos negros formados na juventude do Universo- que parecem ser dez vezes maiores do que deveriam.
É realmente uma questão de ilusionismo. O responsável, segundo a dupla, seria um fenômeno conhecido entre os cientistas como lente gravitacional. Diferentemente do que se possa imaginar, não se trata de uma enorme vidraça cósmica que amplia objetos distantes. Mas o efeito é o mesmo.
A "ampliação" da intensidade da luz vinda desses objetos distantes pelas lentes fez com que os cientistas estimassem um valor muito maior do que o real para sua massa. Com a fraude cósmica desfeita, agora é possível estimar a massa correta para um terço dos objetos desse tipo conhecidos, o que fecha um tremendo buraco nos modelos cosmológicos atuais.
As lentes gravitacionais foram previstas originalmente pela teoria da relatividade, concebida por Albert Einstein (1879-1955). Ele defendia que objetos maciços entortavam o espaço ao redor (em uma dimensão que não se pode observar), causando o que é visto como a ação da gravidade.
Sendo um resultado do "empenamento" do espaço, a gravidade agiria sobre tudo que existe no Universo, inclusive a luz. Pela teoria do britânico Isaac Newton (1643-1727), a anterior, a gravidade seria calculada em função da multiplicação das massas dos dois corpos envolvidos. Se uma delas fosse zero, como a da luz, mesmo que a outra fosse enorme, como a do Sol, o resultado final seria zero.
Einstein previu que, se houvesse um corpo distante e um outro mais próximo, ambos na mesma linha de visão, o corpo da frente iria entortar os raios de luz que vinham de trás, amplificando e criando múltiplas imagens do objeto mais distante, como uma lente (veja o quadro à direita).
"Uma lente gravitacional foca a luz do mesmo jeito que a lente de um telescópio faz. De fato, uma lente gravitacional pode ser considerada como um telescópio gentilmente fornecido a nós pela natureza", diz Abraham Loeb, co-autor da nova pesquisa, publicada na última edição da revista "Nature" (www.nature.com).

Não é o que parece
O estudo de lentes gravitacionais feito por Loeb ajudou a diluir um conflito entre os modelos que descrevem a origem e a evolução do Universo e as observações.
No centro da confusão estão os quasares, mais um tipo de objeto do qual se costuma ouvir falar, mas que ninguém explica direito. Pelo que se entende, trata-se de astros que emitem grande quantidade de ondas de rádio, embora se pareçam, aos olhos humanos, com estrelas (daí o nome "quasar", uma corruptela de "quasistellar object", ou "objeto quase-estelar"). Os cientistas acham que eles sejam buracos negros imensos cercados por um monte de matéria a ser devorada.
A luz que chega até a Terra deles já tem 13 bilhões de anos de idade -ou seja, os astrônomos os enxergam como eles eram cerca de 1 bilhão de anos após a formação do Universo. Pelos modelos teóricos, eles só teriam tido tempo, naquela época, de acumular uma certa quantidade de massa, embora as observações apontassem um valor dez vezes maior. O novo estudo concilia as observações com o modelo, mostrando que o aparente excesso de massa vem do brilho maior produzido pelo efeito de lente gravitacional.
A dupla calculou quantos desses objetos poderiam ter seu brilho amplificado: um em cada três.

Teste da idéia
Embora seja uma previsão teórica, a distorção dos quasares por lentes gravitacionais proposta pela dupla de Harvard é perfeitamente testável. O que deve acontecer em breve, diz Edwin Turner, da Universidade de Princeton, em seu comentário sobre a pesquisa na mesma edição da "Nature".
Um grupo de astrônomos trabalhando com o Telescópio Espacial Hubble deve obter as respostas. Eles irão observar a luz desses quasares distantes e ver se ela é composta de múltiplas imagens (um efeito típico das lentes gravitacionais). "As observações do Hubble devem ser decisivas", diz Turner. Os astrônomos aguardam, para saber se as imagens que eles recebem das profundezas do cosmo não passam de um truque, digno de David Copperfield.



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