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São Paulo, quarta-feira, 03 de setembro de 2003

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AMBIENTE

Biólogo prevê riscos na exploração da madeira, liberada de forma controlada pelo governo na semana passada

Manejo pode ameaçar mogno, diz estudo

Dado Galdieri - 13.ago.2002/Associated Press
Milhares de toras de mogno apreendidas pelo Ibama flutuam no rio Xingu, na região de São Félix


MARCUS VINICIUS MARINHO
FREE-LANCE PARA A FOLHA

Um estudo de cientistas do Inpa (Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia) sobre a variabilidade genética do mogno na região alerta: a exploração dessa madeira nobre, mesmo com procedimentos de manejo sustentável, pode ser prejudicial para a espécie.
O mogno é a madeira de maior importância econômica da Amazônia, e sua exploração foi proibida em outubro de 2001. Contudo, na semana passada, com a publicação das portarias números 006 e 007/ 03 do Ministério do Meio Ambiente (MMA), o governo federal liberou o manejo sustentável -exploração feita com a preocupação de não afetar a floresta, observando certas técnicas de corte, construção de trilhas e diâmetro das árvores cortadas.
No entanto, o estudo do Inpa, que já rendeu publicações nas revistas "Journal of Heredity" e "Molecular Ecology", conclui que o mogno é extremamente sensível à exploração. O grupo liderado por Rogério Gribel e Maristerra Lemes encontrou alta variabilidade genética para a espécie (árvores com genes muito diferentes entre si), o que significa que ela precisa de um grande número de indivíduos para sobreviver.
Gribel foi um dos cientistas consultados na redação das portarias. "Ajudei, mas ainda acho que o levantamento da moratória representa um risco", disse. O biólogo levantou dois problemas fundamentais do manejo do mogno. O primeiro é a chamada erosão genética: como são explorados indivíduos de maior porte e sem doenças, o que sobra são árvores que podem não ter o mesmo vigor das antigas.
"Além disso, ainda não conhecemos bem as demandas reprodutivas das árvores. Devemos saber, com a diminuição da densidade arbórea, se a polinização cruzada [entre diferentes indivíduos] continua energeticamente viável", disse Gribel. "Falta inventariar os estoques de mogno, fazer novos estudos sobre sua localização e sobre a polinização das árvores", afirmou.

Alta mutação
O estudo do Inpa foi feito com a verificação das regiões do código genético das árvores com alto índice de mutação. Essas regiões, flanqueadas por marcadores chamados microssatélites, indicam as principais diferenças entre um indivíduo e outro da mesma espécie. A técnica é usada, por exemplo, nos testes de paternidade solicitados pela Justiça.
O grupo, então, verificou as diferenças entre as árvores de mogno em dois tipos de estudo. No primeiro, os cientistas tentaram perceber as variações da estrutura genética das árvores com a distribuição geográfica, do sul do Pará até Rondônia.
"Vimos que regiões com relevo irregular têm árvores muitíssimo diferentes. Nessas áreas, por exemplo, a política de conservação deve estar em escala mais fina", disse Gribel. O grupo constatou que o mogno está concentrado predominantemente em áreas ameaçadas pelo desmatamento.
Na segunda etapa foram estudados os sistemas de cruzamento das árvores. Como resultado, verificou-se que o mogno é predominantemente alogâmico, ou seja, a sobrevivência das árvores depende bastante da polinização cruzada. Isso torna o mogno mais sensível ao corte, já que, com menos indivíduos, diminui a possibilidade de reprodução.
Gribel afirma que existem outras funções do mogno que ainda deveriam ser mais estudadas, como controle de erosão e de enchentes, conservação da fauna e fixação do carbono, entre outros.
Segundo o biólogo, o manejo com baixo impacto na floresta é importante, mas pode não ser suficiente: "Nos fatores básicos, a floresta cumpre as funções fundamentais. Entra-se lá alguns anos depois e nem se percebe que ali se fez alguma coisa. Do ponto de vista do legado genético, no entanto, há dúvidas se a exploração é realmente sustentável".
"Concordo com o Gribel quando ele diz que nós não podemos garantir que não haja impacto de longo prazo. Mas isso não podemos garantir para nenhum tipo de manejo na floresta", disse Tasso Rezende de Azevedo, diretor-adjunto do Programa Nacional de Florestas do MMA. "O que a regra fez foi criar salvaguardas para que não seja nada de grave."
Para Azevedo, o governo teve de agir para impor regras ao que já acontece. "Vimos que o ministério tem de deixar de dizer "não pode, não pode" e sim dizer "como pode" ", afirmou.


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