São Paulo, segunda-feira, 03 de setembro de 2007

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Brasil subestima mercado de carbono, diz empresário pioneiro

Para carioca que dirige empresa inglesa, burocracia emperra Mecanismo de Desenvolvimento Limpo

Negociação de emissões evitadas de gases de efeito estufa, prevista pelo acordo de Kyoto, deve movimentar US$ 1 bilhão só em 2007

Joel Silva - 13.mar.2007/Folha Imagem
Trabalhador opera válvula em usina de álcool em Lins, interior de São Paulo; etanol pode gerar créditos de carbono negociáveis

EDUARDO GERAQUE
DA REPORTAGEM LOCAL

O fluxo de dinheiro que vai correr no mercado de créditos de carbono neste ano é de US$ 1 bilhão. Esse valor corresponde a um décimo do potencial do negócio, que vai começar a esquentar mesmo em 2008. Mas o Brasil está perdendo fatias cada vez maiores desse bolo para os suspeitos de sempre -China e Índia-, na avaliação de um dos principais empresários do setor, o engenheiro agrônomo Pedro Moura da Costa.
"Não existe um empenho tão grande em fomentar esse setor. Tem de haver um dinamismo maior no governo brasileiro", avalia Moura da Costa. Carioca de 43 anos, há ele dez criou a EcoSecurities, empresa sediada em Londres que fez a intermediação e a consultoria de quase 20% dos contratos em curso (422 no total) no mercado de carbono oficial.
Conforme prevê o Protocolo de Kyoto, o acordo internacional contra as emissões de gases de efeito estufa, o mercado mundial de carbono gira em torno de papéis que são emitidos por projetos que reduzam a emissão de gás carbônico ou outros gases que esquentam o planeta. Pode ser um aterro sanitário, que evite emissão de metano, ou uma usina de álcool, que corte emissões de CO2. Esses papéis, provenientes de nações ricas ou pobres, são comprados por países ricos que têm metas de redução de emissões a cumprir por Kyoto.
"O Brasil já teve uma participação maior na nossa carteira. Há dois anos, ele representava 30% dos nossos negócios. Hoje, essa participação caiu para 12%", explica Moura da Costa.
Radicado em Londres, o empresário se formou pela Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro antes de ir para a Malásia, onde a idéia de abrir a empresa surgiu. Se todos os certificados comercializados pela empresa (hoje presente em 27 países) fossem pagos ao mesmo tempo, isso renderia o total de 1,7 bilhão.
Uma das razões da queda do desempenho brasileiro, diz, é a atitude do governo. Como todo projeto de MDL (Mecanismo de Desenvolvimento Limpo) - que gera os créditos de carbono - tem de ser aprovado na esfera governamental, o funcionamento dessa engrenagem passa a ser fundamental para todo o sistema.
"No Brasil, o processo é muito moroso, burocrático e, às vezes, você tem a impressão de que não há interesse por parte do país em fomentar essa atividade e atrair divisas por meio da emissão de créditos. Gradativamente, o Brasil perde espaço para países como China e Índia, que estão muito mais empenhados em usar esse mecanismo", disse Moura da Costa à Folha. Leia a entrevista.

 

FOLHA - Apesar de serem negociados desde 2005, os créditos de carbono ainda não estão gerando um fluxo grande de dinheiro. Quando isso vai ocorrer?
PEDRO MOURA DA COSTA
- Esses contratos funcionam como se fossem os de eletricidade. A primeira coisa que o empreendedor procura é quem vai comprar a energia, por qual preço e período. Você pode fazer a entrega e também o pagamento no futuro. Os créditos estão sendo obtidos desde 2005. Já no ano que vem, um grande volume de recursos vai ser efetivamente transferido. É um mercado de US$ 10 bilhões por ano, o que equivale a 1 bilhão de toneladas de carbono aproximadamente, levando em conta o preço de US$ 10 a tonelada.

FOLHA - O Mecanismo de Desenvolvimento Limpo já está totalmente azeitado? A forma de como fazer esses contratos já é um consenso?
MOURA DA COSTA
- A parte contratual, o desenvolvimento dos projetos e as questões financeira e legal estão azeitadas. Mas a administração do MDL por parte da ONU (Organização das Nações Unidas) continua a desejar. É tudo muito burocrático. A junta executiva da instituição é composta por servidores públicos que trabalham em tempo parcial nesse tema. Basicamente, eles deliberam sobre um mercado de bilhões de dólares por ano, mas sem o profissionalismo necessário.

FOLHA - Mesmo que as engrenagens funcionem a todo vapor, o mercado e o Protocolo de Kyoto vão conseguir resolver sozinhos a questão do aquecimento global?
MOURA DA COSTA
- Isso é um outro aspecto. As metas de Kyoto são incipientes para controlar o [aquecimento do] clima. Definitivamente, Kyoto não vai resolver o problema. Mas, na época, Kyoto foi importante, é o que se conseguiu negociar. Agora precisa ser criada uma consciência global de que os objetivos precisam ser muito mais ambiciosos.

FOLHA - Quer dizer que agora as atenções precisam ser centradas no pós-Kyoto?
MOURA DA COSTA
- Não gosto do termo pós-Kyoto. É melhor falar no segundo período do protocolo. Agora, como será essa nova etapa, qual vai ser o comprometimento de todo mundo, vai depender do sucesso ou não da primeira fase. É muito importante que todos nós façamos essa fase inicial andar bem, com o MDL no centro de tudo isso, para que os grupos políticos possam adotar metas mais ambiciosas no futuro.

FOLHA - Nessa segunda fase de Kyoto, o Brasil deveria adotar metas de redução das emissões dos gases de efeito estufa?
MOURA DA COSTA
- Mais cedo ou mais tarde vai haver a necessidade de um engajamento mais amplo. Hoje, o mundo está dividido nos países industrializados e em industrialização, esses não precisam reduzir suas emissões. Tudo bem, numa fase inicial, apenas os primeiros tiveram obrigações, mas o problema é que as emissões de países como o Brasil e a Índia estão crescendo muito. É inevitável que esses países sejam forçados a controlar suas emissões também. Isso será uma evolução normal e ética, assim como também foi ético o Brasil não ter metas nessa primeira fase.


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