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São Paulo, segunda-feira, 03 de novembro de 2003

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POLÍTICA CIENTÍFICA

Idéia de conceber nova instituição de pesquisa a partir do centro de física no Rio divide pesquisadores

Instituto de cosmologia cria "racha" no CBPF

SALVADOR NOGUEIRA
DA REPORTAGEM LOCAL

Um dos mais tradicionais centros de física do país está passando por um "racha", talvez o pior dos últimos anos. A indefinição impera, e os pesquisadores se digladiam para definir se, quando a poeira baixar, o CBPF (Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas), localizado no Rio de Janeiro, será uma ou duas instituições.
A polêmica teve início em agosto, durante a abertura da 10ª Reunião Marcel Grossmann de Relatividade Geral, uma prestigiosa conferência internacional realizada pela primeira vez no Brasil.
Lá, o ministro da Ciência e Tecnologia, Roberto Amaral, anunciou a criação do Icra-BR (Instituto Nacional de Cosmologia, Relatividade e Astrofísica), uma vertente nacional de uma rede global de pesquisas na área.
A proposta original, do físico Mário Novello, do CBPF, pleiteava a existência do Icra como um dos nós da rede internacional Icranet. Mas Amaral foi além, ao anunciar a constituição física e independente do Icra-BR, como um novo instituto do MCT (Ministério da Ciência e Tecnologia).
O anúncio pegou todos de surpresa, da diretoria do CBPF ao autor da proposta original. A decisão do ministério causou revoltas internas, e muitos pesquisadores se sentiram traídos por apoiar uma idéia que, em sua versão final, ao invés de fortalecer a posição do CBPF, poderia acabar causando seu esvaziamento.
Para os defensores do Icra-BR, a criação de um novo instituto respondia ao surgimento de uma massa crítica de pesquisadores em cosmologia e astrofísica no Brasil. Os opositores da iniciativa, entretanto, viram no desenvolvimento apenas o fortalecimento de um dado grupo de cientistas, liderado por Novello, em detrimento do CBPF como um todo.
As farpas entre os dois lados começaram a ser trocadas publicamente na edição eletrônica do "Jornal da Ciência" (www.jornaldaciencia.org.br), uma publicação da SBPC (Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência).
No dia 16 de outubro, foram publicadas uma carta de Alfredo Ozorio de Almeida e Ronald Shellard, dois pesquisadores do CBPF, criticando a criação do Icra-BR, e outra de Mario Novello, José Martins Salim, Nami Fux Svaiter, Nelson Pinto Neto e Luiz Alberto Oliveira, defendendo-a.
"A partição do CBPF em dois institutos é um despropósito que certamente não serve ao interesse da física brasileira", escreveram Ozorio de Almeida e Shellard.
Antes de vir a público, a carta da dupla já havia circulado no CBPF, assim como a resposta de Novello. "É impossível que os srs. Shellard e Ozorio ignorem que a criação do Icra-BR é uma manifestação, inédita no passado recente, de apoio à pesquisa básica", responderam. "Fazer crer que a "Física Brasileira" estará ameaçada é, no melhor dos casos, mero recurso retórico de intimidação ou, no pior, arrogância delirante."

Oposição externa
O apoio ao Icra-BR anda limitado fora do CBPF. A Sociedade Brasileira de Física se mostrou contrária à criação do Icra-BR como órgão independente.
"A SBF considera muito positiva a participação brasileira na rede dessa área, enfatizando que o convite e apoio recebido da comunidade internacional sinalizam de modo inequívoco a qualidade e competência científica dos nossos pesquisadores", escreveu Adalberto Fazzio, presidente da sociedade, em uma carta enviada à Finep (Financiadora de Estudos e Projetos), à diretoria do CBPF e a Mário Novello.
"No entanto, no que se refere à criação de um novo instituto dentro do MCT, com sede, estrutura administrativa, recursos humanos e corpo de pesquisadores com completa autonomia aos existentes, não é recomendável."
O diretor do CBPF, João Carlos dos Anjos, também se vê preocupado com o que pode acontecer com a bipartição do centro. "Há o temor de que isso possa esvaziar a instituição, levando até 10% do nosso corpo de pesquisadores", disse à Folha. "Apoiamos a iniciativa do Icra como um instituto virtual, que era a proposta original, tendo o CBPF como executor. Queremos que esse grupo fique aqui e que reforce a instituição."

Conflitos constantes
Essa é apenas a última turbulência no CBPF, de uma série iniciada em 2001, quando um relatório do MCT, no governo FHC, sugeriu a extinção da pós-graduação no centro. Desde então, uma mobilização interna surgiu para fortalecer a posição da instituição, batalha que foi vencida com a mudança do governo. Agora, os cientistas que lutaram juntos estão disputando entre si para resolver que fim vão ter a cosmologia e a astrofísica nacionais.
O MCT, ponto focal do turbilhão, se posiciona de forma cautelosa, quase neutra. "Num primeiro momento, o ministro se entusiasmou", disse à Folha Wanderley de Souza, secretário-executivo do ministério. "Mais tarde, houve uma reação em relação à criação do Icra, com muita gente apoiando, e muita gente criticando."
Em princípio, o MCT vê sempre como boas as iniciativas que objetivem ampliar o número de instituições científicas, segundo Souza. Mas, em razão da polêmica, pretende observar a criação do Icra "de forma pormenorizada".
Adicionando incertezas ao futuro do CBPF está a semi-interinidade da atual diretoria. João Carlos dos Anjos começou no cargo interinamente e posteriormente foi efetivado, mas não chegou a ter um mandato claro atribuído. Agora, uma comissão acaba de ser nomeada para apontar uma lista tríplice, da qual o MCT escolherá o novo diretor do CBPF.



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