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POLÍTICA CIENTÍFICA
Idéia de conceber nova instituição de pesquisa a partir do centro de física no Rio divide pesquisadores
Instituto de cosmologia cria "racha" no CBPF
SALVADOR NOGUEIRA
DA REPORTAGEM LOCAL
Um dos mais tradicionais centros de física do país está passando por um "racha", talvez o pior
dos últimos anos. A indefinição
impera, e os pesquisadores se digladiam para definir se, quando a
poeira baixar, o CBPF (Centro
Brasileiro de Pesquisas Físicas),
localizado no Rio de Janeiro, será
uma ou duas instituições.
A polêmica teve início em agosto, durante a abertura da 10ª Reunião Marcel Grossmann de Relatividade Geral, uma prestigiosa
conferência internacional realizada pela primeira vez no Brasil.
Lá, o ministro da Ciência e Tecnologia, Roberto Amaral, anunciou a criação do Icra-BR (Instituto Nacional de Cosmologia, Relatividade e Astrofísica), uma vertente nacional de uma rede global
de pesquisas na área.
A proposta original, do físico
Mário Novello, do CBPF, pleiteava a existência do Icra como um
dos nós da rede internacional
Icranet. Mas Amaral foi além, ao
anunciar a constituição física e independente do Icra-BR, como um
novo instituto do MCT (Ministério da Ciência e Tecnologia).
O anúncio pegou todos de surpresa, da diretoria do CBPF ao autor da proposta original. A decisão do ministério causou revoltas
internas, e muitos pesquisadores
se sentiram traídos por apoiar
uma idéia que, em sua versão final, ao invés de fortalecer a posição do CBPF, poderia acabar causando seu esvaziamento.
Para os defensores do Icra-BR, a
criação de um novo instituto respondia ao surgimento de uma
massa crítica de pesquisadores
em cosmologia e astrofísica no
Brasil. Os opositores da iniciativa,
entretanto, viram no desenvolvimento apenas o fortalecimento de
um dado grupo de cientistas, liderado por Novello, em detrimento
do CBPF como um todo.
As farpas entre os dois lados começaram a ser trocadas publicamente na edição eletrônica do
"Jornal da Ciência" (www.jornaldaciencia.org.br), uma publicação da SBPC (Sociedade Brasileira
para o Progresso da Ciência).
No dia 16 de outubro, foram publicadas uma carta de Alfredo
Ozorio de Almeida e Ronald Shellard, dois pesquisadores do
CBPF, criticando a criação do
Icra-BR, e outra de Mario Novello, José Martins Salim, Nami Fux
Svaiter, Nelson Pinto Neto e Luiz
Alberto Oliveira, defendendo-a.
"A partição do CBPF em dois
institutos é um despropósito que
certamente não serve ao interesse
da física brasileira", escreveram
Ozorio de Almeida e Shellard.
Antes de vir a público, a carta da
dupla já havia circulado no CBPF,
assim como a resposta de Novello. "É impossível que os srs. Shellard e Ozorio ignorem que a criação do Icra-BR é uma manifestação, inédita no passado recente,
de apoio à pesquisa básica", responderam. "Fazer crer que a "Física Brasileira" estará ameaçada é,
no melhor dos casos, mero recurso retórico de intimidação ou, no
pior, arrogância delirante."
Oposição externa
O apoio ao Icra-BR anda limitado fora do CBPF. A Sociedade
Brasileira de Física se mostrou
contrária à criação do Icra-BR como órgão independente.
"A SBF considera muito positiva a participação brasileira na rede dessa área, enfatizando que o
convite e apoio recebido da comunidade internacional sinalizam de modo inequívoco a qualidade e competência científica dos
nossos pesquisadores", escreveu
Adalberto Fazzio, presidente da
sociedade, em uma carta enviada
à Finep (Financiadora de Estudos
e Projetos), à diretoria do CBPF e
a Mário Novello.
"No entanto, no que se refere à
criação de um novo instituto dentro do MCT, com sede, estrutura
administrativa, recursos humanos e corpo de pesquisadores
com completa autonomia aos
existentes, não é recomendável."
O diretor do CBPF, João Carlos
dos Anjos, também se vê preocupado com o que pode acontecer
com a bipartição do centro. "Há o
temor de que isso possa esvaziar a
instituição, levando até 10% do
nosso corpo de pesquisadores",
disse à Folha. "Apoiamos a iniciativa do Icra como um instituto
virtual, que era a proposta original, tendo o CBPF como executor.
Queremos que esse grupo fique
aqui e que reforce a instituição."
Conflitos constantes
Essa é apenas a última turbulência no CBPF, de uma série iniciada em 2001, quando um relatório
do MCT, no governo FHC, sugeriu a extinção da pós-graduação
no centro. Desde então, uma mobilização interna surgiu para fortalecer a posição da instituição,
batalha que foi vencida com a
mudança do governo. Agora, os
cientistas que lutaram juntos estão disputando entre si para resolver que fim vão ter a cosmologia e
a astrofísica nacionais.
O MCT, ponto focal do turbilhão, se posiciona de forma cautelosa, quase neutra. "Num primeiro momento, o ministro se entusiasmou", disse à Folha Wanderley de Souza, secretário-executivo
do ministério. "Mais tarde, houve
uma reação em relação à criação
do Icra, com muita gente apoiando, e muita gente criticando."
Em princípio, o MCT vê sempre
como boas as iniciativas que objetivem ampliar o número de instituições científicas, segundo Souza. Mas, em razão da polêmica,
pretende observar a criação do
Icra "de forma pormenorizada".
Adicionando incertezas ao futuro do CBPF está a semi-interinidade da atual diretoria. João Carlos dos Anjos começou no cargo
interinamente e posteriormente
foi efetivado, mas não chegou a
ter um mandato claro atribuído.
Agora, uma comissão acaba de
ser nomeada para apontar uma
lista tríplice, da qual o MCT escolherá o novo diretor do CBPF.
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