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"Vamos ter de encarar, botar isso na balança", afirma secretária
FOLHA - A proposta feita por George Bush às vésperas da reunião dos
países mais industrializados muda o
debate sobre o aquecimento global?
THELMA KRUG - Na verdade, os
Estados Unidos entram de alguma forma para uma discussão, ainda que sem metas quantitativas de redução de emissões. Acho que a proposta tem
mérito no sentido de indicar a
questão da transferência de
tecnologias. Obviamente, eu a
vejo conflitiva com a abordagem da União Européia de estabelecer suas metas de emissão
de gases [do efeito estufa].
FOLHA - Está mesmo descartada a
proposta brasileira de recompensar
países em desenvolvimento que reduzirem o desmatamento? Qual seria a alternativa?
KRUG - O Brasil fez uma oferta
para começar a reduzir as emissões já, mas reconheceu que
muitos países não teriam essa
capacidade, precisariam de tecnologia. Houve reação. Da Índia, particularmente, que quer
ser compensada por esforços
passados.
A estabilização do estoque de
carbono pode até permitir derrubar florestas e substituí-las
por outro tipo de plantação.
Países africanos, com baixa cobertura florestal, também se
sentiram excluídos.
No mês passado, numa reunião preparatória do encontro
de ministros, em Bali [Indonésia], o documento final foi muito conservador, esperávamos
algo mais agressivo. Mas há sinais de que vários elementos da
proposta do Brasil serão incluídos, como a criação de uma linha de referência de emissões.
FOLHA - A ministra Marina Silva articula uma resposta do governo ao
aquecimento global. Essa agenda
tem caminhado?
KRUG - A Secretaria de Mudanças Climáticas e Qualidade Ambiental foi criada para desenvolver um plano de ação. Esse
plano vai envolver vários ministérios. Particularmente o de
Ciência e Tecnologia, que já faz
esforço no sentido de aperfeiçoar cenários futuros, impactos
e vulnerabilidades. Isso permitirá que ações específicas sejam
desenhadas. Hoje, há um quadro bastante geral ainda, você
não sabe se vai haver aumento
do nível do mar de dois, três,
quatro metros...
FOLHA - Em quanto tempo esse
plano ficará pronto?
KRUG - Dois anos, não imaginando que a gente vá ficar parada nesses dois anos. Haverá
continuidade na redução do
desmatamento e também a
possibilidade de desenvolver
atividades de pequena escala de
reflorestamento por comunidades de baixa renda, por
exemplo.
FOLHA - Nesse plano de ação, o que
seria mais urgente?
KRUG - Nesse primeiro momento, tratar a mitigação é algo
mais factível, no sentido de reduzir emissões. Já há um conjunto grande de ações: reduzir
desmatamento, usar mistura
diferente na gasolina, no biodiesel, melhorar a eficiência
energética, enfim.
FOLHA - A senhora diria que o momento inicial de quase pânico com
os cenários do aquecimento global
passou, e o tema perdeu prioridade?
KRUG - Esse é um ponto de
agenda que não vai se perder
nunca mais. Até porque os
eventos externos previstos
com maior periodicidade,
maior freqüência, não vão deixar ninguém esquecer. Ondas
de calor, de frio, degelo.
FOLHA - A senhora mencionou a
articulação entre ministérios, mas
as divergências são notáveis. No debate das fontes de energia para evitar uma eventual crise no abastecimento a partir de 2012, o Ministério
de Minas e Energia sinaliza com a
contratação de mais energia térmica a carvão caso o licenciamento
ambiental das hidrelétricas do Madeira não saia até meados de junho.
Gostaria também de ouvir sua opinião sobre as usinas nucleares.
KRUG - Eu começaria pela minha visão da [energia] nuclear,
que enfrenta uma resistência
natural. Mas estamos discutindo a estabilização das concentrações de gases de efeito estufa, o que vai requerer um esforço hercúleo. Obviamente, dentro dessa discussão, não se descarta o papel das nucleares.
Vamos ter de nos confrontar
com um dilema. O não-uso de
formas energéticas com que
não se concorda neste momento poderia acarretar impactos
muito mais perniciosos no futuro. Se você falar em estabilizar [emissões] em níveis mais
baixos, é inevitável. Vamos ter
de encarar, botar isso na balança. Entre optar por uma usina
nuclear, uma térmica a carvão e
você não ter um esforço de mitigação à altura, vamos ter de
colocar tudo isso na mesa. Serão decisões muito difíceis.
FOLHA - E como a senhora vê a possibilidade de contratar mais usinas
térmicas a carvão, como acena o Ministério de Minas e Energia, caso
não saia a licença para as hidrelétricas do Madeira?
KRUG - Esse é um ponto a ver.
Enquanto não sair um parecer
do Ibama, seria extremamente
especulativo falar. O carvão,
para o Brasil, seria realmente
mais complicado.
FOLHA - O etanol é tão importante
quanto se propala?
KRUG - O etanol brasileiro é. O
IPCC [Painel do Clima da
ONU] indica a produção de etanol no Brasil como um modelo,
difícil de ser duplicado. Não é
só a questão de substituir combustível fóssil por biocombustível. Tudo depende do processo de produção: se você gera
uma série de resíduos e, por
meio deles, produz gases de
efeito estufa com poder de
aquecimento até 23 vezes
maior do que o dióxido de carbono, é como trocar seis por
meia dúzia. O que se deseja é
que o avanço do plantio de cana
não desmate mais. Uma das iniciativas da secretaria é mapear
todas as áreas degradadas e caminhar no sentido de um zoneamento do plantio.
FOLHA - É verdade que a senhora já
defendeu o direito de os países em
desenvolvimento desmatarem, como fizeram os desenvolvidos?
KRUG - Isso nunca! O que eu digo é que não se pode perder do
contexto da mudança climática
as emissões passadas. Considerar emissões a partir de 1970 é
algo que massacra países em
desenvolvimento. Uma coisa
adicional que eu digo é que não
se pode imaginar desmatamento zero. Todos nós temos o direito de buscar o desenvolvimento e reduzir impactos no meio ambiente. Esse é o papel
do Estado.
Antes de assumir, eu perguntei à ministra: até quanto [de
desmatamento por ano] a gente vai poder chegar para assegurar os nossos planos de desenvolvimento: 5 mil, 10 mil
quilômetros quadrados? Há
três anos, eram desmatados 28
mil quilômetros quadrados,
agora estamos a 14 mil.
FOLHA - E qual foi a resposta?
KRUG - Não sabemos. Precisamos realmente sentar e projetar obras de infra-estrutura.
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