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Falta plano claro de clima ao país, diz Reino Unido
Para ministro Ed Miliband, Brasil precisa detalhar como vai cortar suas emissões
Em Brasília, titular da pasta
de Energia e Mudanças Climáticas afirma estar impressionado com a forma de uso dos biocombustíveis
CLAUDIO ANGELO
ENVIADO ESPECIAL A BRASÍLIA
O Reino Unido está disposto
a dar mais dinheiro aos países
do Terceiro Mundo para combater a mudança climática. Mas
quer ver de Brasil, China e Índia planos detalhados de corte
de emissões para o novo acordo
do clima, a ser fechado em dezembro em Copenhague.
Quem diz é Ed Miliband, 39,
ministro britânico de Energia e
Mudanças Climáticas.
O ministro, que esteve no
Xingu no fim de semana, disse
que seu país tem interesse em
financiar ações contra o desmatamento e que ficou "impressionado" com a maneira
como o Brasil lida com os biocombustíveis.
Evitou, no entanto, falar de contribuições específicas para o Fundo Amazônia ou de importação de álcool.
Em entrevista à Folha, Miliband se declarou otimista
quanto à possibilidade de um
acordo em Copenhague, disse
estar convencido de que a China não será um obstáculo e defendeu a energia nuclear.
Leia a seguir a entrevista.
FOLHA - Um dos delegados da Convenção do Clima das Nações Unidas
disse que nós estamos num bom caminho para um mau acordo em Copenhague. O sr. concorda?
ED MILIBAND - Estamos num caminho ascendente para um
bom acordo. Me sinto otimista,
em parte porque a política está
alcançando a ciência, então a
decisão dos líderes das grandes
economias de aceitar o objetivo
de 2C -e o Brasil teve um papel importante nisso - foi um
avanço fundamental. A tarefa
agora é ter metas de médio prazo compatíveis com o acordo de
2C [de limitar o aquecimento
global a 2C em relação à era
pré-industrial], metas para os
países desenvolvidos e ações e
compromissos para os países
em desenvolvimento, e ter os
arranjos financeiros que possam tornar mitigação e adaptação possíveis.
FOLHA - O que os EUA propuseram
até agora ainda não está nem perto
de alcançar a ciência?
MILIBAND - Precisamos que os
EUA façam o máximo que puderem. A lei Waxman-Markey
[a lei americana de mudanças
climáticas, que tramita no Congresso], tem duas versões: a mínima e a máxima. E, na máxima, há ações significativas.
FOLHA - Como o compromisso de
2 C se traduz no compartilhamento
de responsabilidades?
MILIBAND - Os países desenvolvidos precisam mostrar liderança, e isso significa reduções
de emissões em 2020, 2025,
2030. E, em 2020, acho que a
maioria dos países em desenvolvimento não necessariamente vai reduzir suas emissões, mas pelo menos mostrar
um desvio do cenário usual.
Depois, há as responsabilidades financeiras dos países desenvolvidos em relação aos países em desenvolvimento. E o
prêmio aqui é fazer a curva de
emissões virar.
FOLHA - O premiê Gordon Brown
disse que os países em desenvolvimento precisam de US$ 100 bilhões
por ano. Quanto disso o Reino Unido
está disposto a bancar?
MILIBAND - A intervenção do
premiê Brown foi importante
porque ele foi o primeiro líder a
pôr um número, o que era absolutamente necessário. Parte da
negociação é qual será a nossa
fatia, mas quero deixar claro
que estamos dispostos a colocar dinheiro adicional, além
dos compromissos atuais.
FOLHA - O Brasil está fazendo muita propaganda do combate ao desmatamento e do seu programa do
álcool, mas ninguém no governo
disse nada sobre as reservas de petróleo recém-descobertas. O sr. acha
que o novo acordo permitirá ao Brasil usar esse óleo impunemente?
MILIBAND - Espero que o Brasil
possa dar um número para
2020 de como ele planeja reduzir emissões. Não necessariamente reduções absolutas, mas
desvios da sua trajetória atual
de emissões. Todos nós precisamos operar dentro de um
plano de carbono. Não esperamos metas do tipo Kyoto para
os países em desenvolvimento
antes de 2020, mas esperamos
um plano sobre como eles vão
se desviar da trajetória atual.
FOLHA - Como o sr. espera convencer a China e a Índia?
MILIBAND - Para ser franco, a
China está convencida. Eles
querem um acordo.
FOLHA - No plano de transição do
Reino Unido, a palavra "etanol"
aparece só uma vez. O álcool não é
parte da solução?
MILIBAND - Nós contamos um
pouco com biocombustíveis,
porque temos uma meta de renováveis no setor de transporte, que é de 12% até 2020. O debate sobre etanol e biocombustíveis precisa ser informado pela experiência brasileira. É interessante para mim falar com
as ONGs aqui, porque elas são
muito mais pró-etanol e biocombustíveis do que outras. Há
alguns biocombustíveis que terão impacto negativo no uso da
terra e na segurança alimentar,
e há alguns casos em que eles
podem funcionar.
FOLHA - Só para esclarecer: o álcool
não foi mencionado por incerteza
ou falta de informação?
MILIBAND - Ele é parte da arquitetura. Há cautela sobre os biocombustíveis no Reino Unido
por causa do medo que as pessoas têm, mas fiquei impressionado com o que vi no Brasil.
FOLHA - O sr. vem de uma família
de ativistas antinucleares. E as usinas nucleares são uma parte do plano britânico. Qual é a reação do público britânico e da sua família?
MILIBAND - Não perguntei para
o meu pai ainda! Acho que o público britânico tem uma posição interessante: há dois ou
três anos, as pessoas diriam que
esse assunto era politicamente
perigoso, mas hoje parece haver um consenso. Há mais protestos contra usinas a carvão do
que contra usinas nucleares.
FOLHA - Qual é a sua visão sobre o
REDD [Redução de Emissões por
Desmatamento e Degradação florestal]? Deveria ser baseado em fundos voluntários ou em mercado?
MILIBAND - Acho que ambos são
necessários. As florestas precisam ser parte da arquitetura financeira do novo acordo. Um
acordo sem florestas seria como Kyoto sem os EUA, porque
é um quinto do problema.
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