São Paulo, domingo, 04 de setembro de 2005

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Micro/Macro

O mistério da luz

MARCELO GLEISER
COLUNISTA DA FOLHA

Volta e meia recebo mensagem de um leitor confuso ou mesmo irritado com a luz. Entre as perguntas mais freqüentes, a campeã parece ser o fato de a luz ter, quando atravessando o mesmo meio, uma velocidade constante.
Portanto, duas coisas: primeiro, a velocidade da luz muda quando passa de um meio a outro -por exemplo, do ar para a água. Porém, quando permanece no mesmo meio, a velocidade não muda. Segundo, a velocidade máxima da luz é atingida no espaço vazio (ou vácuo), e é de 300 mil km/s: você pisca o olho e a luz dá sete voltas e meia em torno da Terra.


Se os princípios estiverem certos, as previsões das teorias estão de acordo com os fenômenos observados. Às vezes, até prevêem novos fenômenos


Deixemos de lado a propagação da luz em meios materiais e nos concentremos em sua propagação no vácuo, como no espaço, onde não existe atmosfera. O fato de a velocidade da luz ser finita tem várias conseqüências. Como a luz nos traz informação, só sabemos que algo ocorreu em algum local um tempo após a ocorrência: quanto mais longe, maior a demora. Se o Sol explodisse agora, só saberíamos após aproximadamente oito minutos, o tempo que a luz demora para vir de lá até aqui. A distância entre o Sol e a Terra é de oito minutos-luz.
Quanto astrônomos observam objetos muito distantes, estão olhando para trás no tempo: hoje, visualizamos objetos a 10 bilhões de anos-luz do Sol, ou seja, a luz que vemos agora deixou-os há 10 bilhões de anos.
Temos, então, um horizonte a 14 bilhões de anos-luz do Sol, já que o Universo tem 14 bilhões de anos, o tempo transcorrido desde o Big Bang. Tal como, na Terra, não podemos ver além do horizonte, não podemos ver além de nosso horizonte cósmico. Isso não significa que o Universo termine bruscamente a 14 bilhões de anos-luz daqui. O Universo continua além do horizonte, assim como os oceanos.
Apesar de a velocidade da luz ter sido medida bem antes do século 20, foi com Einstein e a teoria da relatividade que ela entrou firme na arena da física. Não sabemos por que a velocidade da luz é finita ou por que tem o valor que tem. Einstein construiu sua teoria postulando dois princípios, asserções que não podem ser provadas a priori, mas que são demonstradas por meio de testes e medidas em laboratórios e observatórios. O primeiro postulado era já conhecido desde Galileu e diz que as leis da física são as mesmas para observadores em movimento relativo com velocidades constantes. Ou seja, se você está parado numa esquina e eu passo de carro a 60 km/h, as leis da física são as mesmas para nós dois. O segundo é a grande novidade, que chocou e choca a tantos: a velocidade da luz no vácuo é sempre a mesma, independente do movimento relativo entre sua fonte e o observador. Não interessa se você acende uma lanterna em um carro a 60 km/h ou em um foguete a 20 mil km/h (ou 20 mil km/s!), a velocidade da luz no vácuo é 300 mil km/s. Sempre.
Aos leitores que sentem um certo desconforto, digo que é assim que a ciência funciona: precisamos de princípios para construir as teorias que usamos para explicar o que vemos no mundo. Se os princípios estiverem certos, as previsões das teorias estão de acordo com os fenômenos observados. Às vezes, até prevêem novos fenômenos. Caso contrário, os princípios devem ser revisados. Em cem anos de relatividade, nenhum dos testes feitos até hoje ofereceu qualquer razão para duvidar da constância da velocidade da luz. Isso não significa que o seu misterioso valor seja inexplicável. Quem sabe um dia um novo Einstein entenderá por que a velocidade da luz tem o valor que tem.

Marcelo Gleiser é professor de física teórica do Dartmouth College, em Hanover (EUA), e autor do livro "O Fim da Terra e do Céu"


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