São Paulo, sexta-feira, 04 de outubro de 2002

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BIOTECNOLOGIA

Menino curado da "doença da bolha" tem condição similar à leucemia; testes são suspensos em Paris e nos EUA

Terapia genética sofre golpe na França

DA REDAÇÃO

O único caso incontroverso de sucesso com terapia genética sofreu um revés grave, que veio a público ontem: um dos bebês que haviam sido curados da "doença da bolha" na França, há quase três anos, apresentou um problema de saúde semelhante à leucemia.
Cientistas franceses vão agora investigar se o problema -aumento vertiginoso na produção de glóbulos brancos- pode ser atribuído à terapia com DNA inserido em células humanas por vírus tidos como inócuos (veja quadro à dir.). Há indicações de que o DNA corretivo se inseriu numa região do genoma já associada com leucemia, o gene LmO2.
Autoridades francesas anunciaram a suspensão de todos os experimentos com geneterapia no Hospital Necker de Paris, onde o menino era tratado. Passam bem outros sete garotos submetidos ao mesmo tratamento contra a imunodeficiência combinada grave ligada ao cromossomo X, ou SCID-X (abreviação em inglês).
A doença é muito rara, afetando um menino em cada grupo de 75 mil nascidos. O defeito genético os impede de produzir glóbulos brancos cruciais para o sistema de defesa do corpo combater infecções -daí a necessidade de viverem isolados de germes, dentro das bolhas de plástico.
Como o gene alterado está no cromossomo X, o problema afeta só meninos (garotas têm uma cópia extra do X, geralmente com o gene normal). Se não passarem por geneterapia, ou por transplante de medula óssea (o que só é possível em 20% dos casos), morrem por volta de um ano de idade.
Teme-se que a ocorrência tenha um efeito tão devastador sobre a geneterapia quanto a morte, em 1999, do norte-americano Jesse Gelsinger, 18, quatro dias depois de iniciar terapia genética no Arizona. Alain Fischer, líder do projeto francês, disse que o revés não deve ser associado com as outras formas de geneterapia: "As estratégias são diferentes, os problemas são diferentes e os riscos de toxicidade são diferentes".
Nos EUA, o anúncio feito na França levou à interrupção de um teste com quatro meninos e ao adiamento de dois outros que deveriam começar em breve. Uma reunião de urgência foi convocada pela FDA (agência de alimentos e fármacos dos EUA) para a próxima quinta-feira.
O Conselho Consultivo de Terapia Genética do Reino Unido decidiu prosseguir com os experimentos, no Hospital Infantil Great Ormond Street. "A investigação [francesa" sobre o que aconteceu vai durar 12 a 18 meses", disse seu presidente, Norman Nevin. "Negar terapia genética [às crianças doentes" seria antiético, desde que os pais estejam cientes dos riscos associados."
A Alemanha já havia suspendido experimentos desse tipo, por ter detectado leucemia em testes com camundongos. Ao todo, incluindo tratamentos para outras doenças além da SCID-X, há no mundo 636 testes em curso.


Com agências internacionais


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