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MICRO/MACRO
Velocidade da informação desafia educação moderna
MARCELO GLEISER
especial para a Folha
Nós vivemos em um mundo
cada vez mais globalizado, numa
era onde as pessoas são atacadas
por todos os lados com uma
quantidade enorme de informação. As barreiras entre os povos
e as culturas são constantemente
perfuradas (mas quase nunca
vencidas) pela força da mídia e
do consumismo desenfreado.
Hoje em dia, nada mais comum
do que vermos um beduíno em
seu camelo, com sua calça Levis
e óculos Giorgio Armani, entoando uma canção de Elton
John. Na testa do camelo, em
árabe, vemos a escrita "Lady Di,
nós te amamos".
OK, talvez eu esteja exagerando um pouco. Mas, sem dúvida,
é indiscutível a importância que
o controle dos meios de informação têm na sociedade moderna. E o mais impressionante é a
velocidade com que essa informação é disseminada. Bilhões de
pessoas em todo o mundo assistiram à final da Copa (infelizmente), e várias centenas de milhões participam rotineiramente
de guerras ou da humilhação de
presidentes, sentados confortavelmente em suas salas de estar.
Parece mentira que foi apenas
em 1886 que as primeiras ondas
de rádio foram geradas no laboratório pelo grande físico alemão Heinrich Hertz, ou que a
primeira transmissão telegráfica
através do oceano Atlântico foi
enviada em 1901 pelo italiano
Guglielmo Marconi. Atualmente, a disseminação de informação conta com toda uma rede de
satélites, que, juntamente com
incontáveis antenas de transmissão, cobrem praticamente
toda a superfície do planeta.
Essa globalização da informação implica necessariamente a
detenção do poder pelas pessoas
com acesso, ou, mais ainda, pelas pessoas que criam e disseminam essa informação. Lembro-me do recente filme americano "Mera Coincidência"
("Wag the Dog"), em que um
"tycoon" de Hollywood é chamado para desviar a atenção do
público americano dos escândalos sexuais do presidente durante a campanha eleitoral (bastante profético, aliás, esse filme...).
A solução dos produtores foi
simples: inventar uma guerra em
um país remoto para sensibilizar
a opinião pública.
Informação é poder. E, sem
educação, não é possível ter
acesso à informação. Mas, simples acesso à informação não é
tudo. É necessário que saibamos
refletir ativamente sobre a informação recebida, e não só recebê-la passivamente. Caso contrário, podemos nos tornar alvo
de uma "realidade fabricada",
como aquela apresentada comicamente no filme.
Daí o papel do educador, não
só de transmitir informação,
mas também de convidar sua
audiência à reflexão, ensinando
tanto os métodos necessários
para tal como também a arte de
duvidar. Educação é um processo de colaboração ativa entre o
educador e sua audiência. Na
minha opinião, o educador mais
bem-sucedido é aquele que desperta em sua audiência o desejo
de querer sempre aprender mais
e a capacidade de criticar racionalmente aquilo que se está
aprendendo. Sob esse prisma, a
educação moderna pode não só
se beneficiar do fácil acesso à informação, como também "filtrar" a desinformação.
A globalização da informação
provoca uma fragilidade em sua
própria audiência. Nós nos tornamos alvo em uma galeria de
tiro e só podemos nos safar se
soubermos pensar por nós mesmos. Uma sociedade educada é a
que poderá tomar decisões que
afetam seu futuro de modo coerente. Eis aqui alguns exemplos,
ligados à educação científica.
Devemos ou não interceder nas
pesquisas da engenharia genética, que, com o desenvolvimento
de processos de clonagem ou de
cirurgia genética em fetos, levanta sérias questões éticas para
a sociedade? Devemos ou não
apoiar o desenvolvimento de
tecnologias nucleares no espaço?
Devemos ou não interceder junto ao governo para um maior
controle da emissão de gases industriais, de modo a evitar graves mudanças climáticas no futuro? E os asteróides? Vão cair
ou não em nossas cabeças?
Marcelo Gleiser é professor de física teórica
do Dartmouth College, em Hanover (EUA), e
autor do livro "A Dança do Universo"
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