São Paulo, domingo, 4 de outubro de 1998

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MICRO/MACRO

Velocidade da informação desafia educação moderna

MARCELO GLEISER
especial para a Folha

Nós vivemos em um mundo cada vez mais globalizado, numa era onde as pessoas são atacadas por todos os lados com uma quantidade enorme de informação. As barreiras entre os povos e as culturas são constantemente perfuradas (mas quase nunca vencidas) pela força da mídia e do consumismo desenfreado. Hoje em dia, nada mais comum do que vermos um beduíno em seu camelo, com sua calça Levis e óculos Giorgio Armani, entoando uma canção de Elton John. Na testa do camelo, em árabe, vemos a escrita "Lady Di, nós te amamos".
OK, talvez eu esteja exagerando um pouco. Mas, sem dúvida, é indiscutível a importância que o controle dos meios de informação têm na sociedade moderna. E o mais impressionante é a velocidade com que essa informação é disseminada. Bilhões de pessoas em todo o mundo assistiram à final da Copa (infelizmente), e várias centenas de milhões participam rotineiramente de guerras ou da humilhação de presidentes, sentados confortavelmente em suas salas de estar.
Parece mentira que foi apenas em 1886 que as primeiras ondas de rádio foram geradas no laboratório pelo grande físico alemão Heinrich Hertz, ou que a primeira transmissão telegráfica através do oceano Atlântico foi enviada em 1901 pelo italiano Guglielmo Marconi. Atualmente, a disseminação de informação conta com toda uma rede de satélites, que, juntamente com incontáveis antenas de transmissão, cobrem praticamente toda a superfície do planeta.
Essa globalização da informação implica necessariamente a detenção do poder pelas pessoas com acesso, ou, mais ainda, pelas pessoas que criam e disseminam essa informação. Lembro-me do recente filme americano "Mera Coincidência" ("Wag the Dog"), em que um "tycoon" de Hollywood é chamado para desviar a atenção do público americano dos escândalos sexuais do presidente durante a campanha eleitoral (bastante profético, aliás, esse filme...). A solução dos produtores foi simples: inventar uma guerra em um país remoto para sensibilizar a opinião pública.
Informação é poder. E, sem educação, não é possível ter acesso à informação. Mas, simples acesso à informação não é tudo. É necessário que saibamos refletir ativamente sobre a informação recebida, e não só recebê-la passivamente. Caso contrário, podemos nos tornar alvo de uma "realidade fabricada", como aquela apresentada comicamente no filme.
Daí o papel do educador, não só de transmitir informação, mas também de convidar sua audiência à reflexão, ensinando tanto os métodos necessários para tal como também a arte de duvidar. Educação é um processo de colaboração ativa entre o educador e sua audiência. Na minha opinião, o educador mais bem-sucedido é aquele que desperta em sua audiência o desejo de querer sempre aprender mais e a capacidade de criticar racionalmente aquilo que se está aprendendo. Sob esse prisma, a educação moderna pode não só se beneficiar do fácil acesso à informação, como também "filtrar" a desinformação.
A globalização da informação provoca uma fragilidade em sua própria audiência. Nós nos tornamos alvo em uma galeria de tiro e só podemos nos safar se soubermos pensar por nós mesmos. Uma sociedade educada é a que poderá tomar decisões que afetam seu futuro de modo coerente. Eis aqui alguns exemplos, ligados à educação científica. Devemos ou não interceder nas pesquisas da engenharia genética, que, com o desenvolvimento de processos de clonagem ou de cirurgia genética em fetos, levanta sérias questões éticas para a sociedade? Devemos ou não apoiar o desenvolvimento de tecnologias nucleares no espaço? Devemos ou não interceder junto ao governo para um maior controle da emissão de gases industriais, de modo a evitar graves mudanças climáticas no futuro? E os asteróides? Vão cair ou não em nossas cabeças?


Marcelo Gleiser é professor de física teórica do Dartmouth College, em Hanover (EUA), e autor do livro "A Dança do Universo"



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