UOL


São Paulo, quinta-feira, 04 de dezembro de 2003

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

PALEONTOLOGIA

Achados ajudam a compreender evolução

Fósseis na Etiópia revelam avós de elefantes com 27 milhões de anos

Divulgação Trent Schindler/NSF
Arsinoitherium, parente dos elefantes, de 27 milhões de anos


REINALDO JOSÉ LOPES
FREE-LANCE PARA A FOLHA

Um hiato de 8 milhões de anos na história dos mamíferos acaba de ser resolvido em grande estilo: nada menos que nove espécies fósseis de grandes animais herbívoros foram desenterradas na Etiópia, entre elas as criaturas cuja existência fez dos elefantes modernos um grupo de sucesso nas paradas evolutivas.
"É uma das últimas grandes questões da paleontologia, e nós estamos conseguindo respostas bem diferentes das que imaginávamos", disse à Folha o paleontólogo norte-americano John Kappelman, da Universidade do Texas em Austin.
O pesquisador se refere ao nebuloso período entre 32 milhões e 24 milhões de anos atrás, durante o qual não parecia ter sobrado um só fóssil decente de mamífero africano (incluindo os primatas ancestrais da humanidade) para contar a história.
Com os achados de Kappelman e colegas no sítio etíope de Chilga, no entanto, a coisa fica bem mais clara. Melhor ainda, a idade dos fósseis (cerca de 27 milhões de anos) permite pintar o retrato ideal da vida na África antes que a região trombasse com a Eurásia.
Até 24 milhões de anos atrás, África e Arábia (grudadas e apelidadas pelos geólogos de Afro-Arábia) não passavam de uma balsa flutuando no Atlântico. A balsa-continente esteve desconectada dos demais continentes por 40 milhões de anos, vagando em direção à Europa e à Ásia.
Com esse tempo de isolamento, uma fauna toda particular pôde se desenvolver por ali -são os chamados afrotérios ("tério" é sinônimo de mamífero para os paleontólogos). Hoje, o grupo engloba coisas tão diferentes quanto elefantes, hiraxes (que lembram roedores) e dugongos (parentes africanos do peixe-boi). "Mesmo assim, eles têm parentesco bem próximo", diz o paleontólogo.
Coisa parecida aconteceu na América do Sul, que também virou um continente-ilha por dezenas de milhões de anos antes de se juntar à América do Norte, há 3 milhões de anos. Nos dois lugares, quando o contato continental foi reatado, espécies invasoras cruzaram a fronteira.
Quem levou a pior foram os bichos dos locais isolados, embora alguns conseguissem escapar e até colonizar os locais mais "cosmopolitas". A questão era saber o que separou os ganhadores dos vencedores, nesse troca-troca.

O valor da inovação
É aí que entra o trabalho de Kappelman e colegas, na edição de hoje da revista científica britânica "Nature" (www.nature.com). Entre as várias espécies desenterradas -hiraxes, proto-elefantes e arsinoitérios, grandes herbívoros que lembram vagamente rinocerontes-, o que saltava aos olhos é que quase todo mundo estava levando a evolução na mesma toada de sempre, mudando um dente aqui ou o tamanho do corpo acolá.
Mas o mesmo não acontecia com os proboscídeos (o grupo dos elefantes). Eles começavam a experimentar as mais variadas formas. Alguns já mostravam desenvolvimento quase pleno da tromba que virou marca registrada do grupo (os gonfotérios), enquanto outros, os chamados deinotérios, desenvolviam presas no queixo, e não no maxilar superior, como os bichos de hoje.
A esquisitice, no entanto, não parava aí: "Vários desses animais tinham não duas, mas quatro presas curtas saindo da boca. E eram bem menores que os elefantes modernos, com cerca de 900 kg", conta o paleontólogo William Sanders, 46, da Universidade do Michigan, outro autor do estudo.
As mudanças sugerem que os bichos estavam se tornando especialistas em determinados ambientes ou modos de vida, enquanto todos os outros afrotérios se contentavam com o genérico. "Isso lhes permitiu competir com os animais da Eurásia e chegar até a América", inclusive ao Brasil, na forma dos mastodontes, até o fim da Era do Gelo.


Texto Anterior: Cartografia: IBGE lança mapa digital do país com perfis ambientais
Próximo Texto: Julgamento: Júri do Texas condena cientista em 47 acusações
Índice

UOL
Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.