São Paulo, segunda-feira, 05 de janeiro de 2004

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ESPAÇO

Jipe Spirit é o quarto e mais sofisticado aparelho a pousar no planeta e começa exploração marciana em nove dias

Sonda pousa e já manda imagens de Marte

SALVADOR NOGUEIRA
DA REPORTAGEM LOCAL

Foi uma noite de arrepiar para os engenheiros, técnicos e cientistas envolvidos no esforço que levou ontem ao pouso do Spirit, o primeiro dos jipes-geólogos construídos pela Nasa para uma nova rodada de exploração de Marte.
Após dez minutos de silêncio, um sinal foi captado pelo radiotelescópio de Stanford e confirmado pela sonda orbital Mars Global Surveyor: o Spirit estava são e salvo no interior da cratera Gusev, em plena superfície marciana.
Aplausos, berros e assobios tomaram conta da sala de controle da missão no JPL (Laboratório de Propulsão a Jato da Nasa), em Pasadena, Califórnia, assim que o contato foi confirmado. Conforme o previsto, o pouso se deu às 2h35, horário de Brasília.
Aliás, o Spirit fez jus a seu nome. Num planeta que costuma cobrar caro pequenos desvios no plano normal de uma missão (menos da metade das tentativas resulta em sucesso), nada poderia ter saído melhor durante as fases mais delicadas do procedimento.
Os pára-quedas e retropropulsores funcionaram normalmente, compensando pelos fortes ventos na região de Gusev, e os "airbags" também cumpriram seu papel.
O módulo de pouso ainda deu a sorte de descer com a base virada para baixo -havia uma chance de 25% de que isso ocorresse. E, para completar, o sítio de pouso mostrou-se um terreno quase totalmente plano, com uma inclinação de apenas dois graus.

Sucesso comemorado
Uma entrevista coletiva foi realizada às 4h30 de ontem, com a presença de diversos membros da chefia da missão e da Nasa, entre eles o administrador Sean O'Keefe, que aproveitou a ocasião para alfinetar os que dizem que a cultura da agência espacial a impede de aprender com os próprios erros, conclusão a que chegaram os investigadores do acidente com o ônibus espacial Columbia, em fevereiro do ano passado.
A última tentativa americana de conduzir um pouso não-tripulado em Marte aconteceu em 1999, com a Mars Polar Lander, e terminou em fracasso. Apenas três veículos, todos americanos, conseguiram sobreviver na superfície de Marte: as sondas Viking-1 e 2, em 1976, e a Mars Pathfinder, em 1997. Equipada com o robozinho Sojourner, essa última missão foi precursora direta dos novos Mars Exploration Rovers, batizados Spirit e Opportunity.
Apesar do desafio, mesmo antes da descida os envolvidos na missão estavam confiantes. "Pousar bem não é fácil, mas, se esse time não conseguisse, nenhuma outra equipe conseguiria", disse à Folha Paulo Antônio de Souza Júnior, físico da Companhia Vale do Rio Doce que está participando da missão da Nasa e acompanhou o pouso do Spirit do JPL.
"[Foi] melhor que o mais otimista sonho que tive sobre o sucesso da missão. Estamos indo muito bem até agora", disse Souza Júnior, após a descida. "O local de pouso na Gusev é simplesmente fantástico! Perfeito para o nosso Spirit caminhar e explorar o ambiente. Estamos de volta!"
As primeiras imagens não tardaram a vir, a partir de uma segunda sessão de contato, desta vez com a sonda Mars Odyssey, também em órbita de Marte. Quando as fotos foram apresentadas à imprensa, Ed Weiler, administrador-associado de ciência espacial da Nasa, destacou: "Pela primeira vez na história da humanidade, temos uma rede de telecomunicação em outro planeta".

Melhor lugar
A partir das fotos, os cientistas começaram a trabalhar na identificação do local exato do pouso do jipe. E, mais uma vez, parecem ter dado sorte. "Ao que tudo indica, pousamos exatamente no lugar mais interessante da cratera Gusev", afirmou Steve Squyres, investigador principal da missão.
Com o sucesso no pouso, o cenário está pronto para pelo menos 90 dias de exploração móvel no planeta vermelho -mas a Nasa estima que ainda precisará de nove dias para preparar o Spirit para o início das pesquisas.
E, no próximo dia 24, o ritual de ontem deve se repetir: será a vez do Opportunity, irmão gêmeo do Spirit, fazer seu pouso em Marte, mais precisamente numa região chamada Meridiani Planum.
Enquanto os americanos comemoram seu sucesso, os engenheiros da ESA (Agência Espacial Européia) ainda esperam um contato de seu módulo de pouso marciano, o Beagle-2, que adentrou a atmosfera do planeta no Natal.
Até agora, nenhum contato foi estabelecido. A última chance pode vir amanhã, quando a sonda européia Mars Express, nave-mãe do Beagle-2, estará na posição certa para "ouvir" uma transmissão da sonda na superfície.
Com o Spirit e o Opportunity, a Nasa espera confirmar de maneira definitiva que Marte teve um passado "molhado", ou seja, teve regiões da superfície banhadas por lagos, rios e oceanos de água. Uma coisa, entretanto, já está clara: a aventura marciana está apenas começando.



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