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São Paulo, quarta-feira, 05 de fevereiro de 2003

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ANÁLISE

Missão fracassada

PAUL KRUGMAN

ALGUNS comentaristas sugeriram que o desastre do Columbia, mais do que um simples revés, marca o final do programa dos ônibus espaciais. Esperemos que eles estejam certos.
Lamento ter de dizê-lo. Como milhões de outros norte-americanos, sonho com o dia em que a humanidade poderá se expandir para além da Terra e continuo encantado com histórias bem contadas de viagens espaciais -e fiquei furioso quando a rede de televisão Fox cancelou o seriado "Firefly".
Também compreendo que muitas pessoas acreditem que não devamos recuar diante das adversidades. Mas o programa dos ônibus espaciais não começou a dar errado subitamente no final de semana passado; com base em sua missão original, ele foi um fracasso desde o começo. Na verdade, o vôo espacial tripulado em si provou ser um fiasco.
A palavra-chave aqui é "tripulado". Viagens espaciais trazem grandes vantagens à humanidade. Promoveram a causa da ciência, por exemplo a da cosmologia, e com isso aprofundaram nosso conhecimento de física básica, com imensos progressos devidos à observação espacial.
Os vôos espaciais também fizeram muito para melhorar a vida na Terra, já que o sistema de satélites espaciais nos ajuda a acompanhar tempestades, a nos comunicarmos uns com os outros e até mesmo a descobrir onde estamos. Esta coluna viajou 72 mil quilômetros para chegar ao "The New York Times": meu acesso à internet é via satélite.


Isso significa que as pessoas nunca mais voltarão ao espaço? Evidentemente, não. A tecnologia seguirá avançando: um dia será descoberta uma maneira de colocar as pessoas em órbita que ofereça boa relação custo/benefício


No entanto, quase todos os resultados positivos das viagens espaciais, tanto científicos quanto práticos, vieram de veículos não-tripulados e satélites. Sim, os astronautas corrigiram os problemas de visão do telescópio Hubble com novas lentes, mas, se excluirmos essa missão, nós basicamente temos enviado pessoas ao espaço para demonstrar que somos capazes disso.
Nos anos 60, o vôo espacial tripulado era uma extensão da Guerra Fria. Depois que a União Soviética abandonou a corrida espacial, paramos de visitar a Lua. Mas por que continuamos a colocar pessoas em órbita?
No espaço, pense bem, pessoas são um incômodo. São pesadas, precisam respirar e, o mais problemático, precisam ser trazidas de volta para a Terra, como aprendemos de maneira tão trágica. Um dos resultados é que as viagens espaciais tripuladas são extremamente dispendiosas.
O ônibus espacial tinha por objetivo teórico reduzir esses custos, ao tornar os veículos reutilizáveis -daí a seleção de um nome deliberadamente sem charme, sugerindo um veículo coletivo e utilitário que serviria para levar e buscar astronautas nas missões. Mas o ônibus espacial jamais conseguiu proporcionar reduções de custos significativas, e nem seria de esperar que o fizesse. As viagens espaciais tripuladas continuarão a ser proibitivamente caras, até que surja uma revolução na propulsão, até que os foguetes químicos sejam substituídos por coisa diferente.
Mesmo então, será que haverá alguma razão para enviar pessoas, em lugar de máquinas cada vez mais sofisticadas, ao espaço?
Alguns meses atrás, lendo "Project Orion", de George Dyson, que conta a verdadeira história dos esforços norte-americanos para construir uma espaçonave de propulsão nuclear, eu tive uma revelação. O projeto terminou cancelado, em parte porque o método proposto de propulsão -que envolvia uma série de pequenas explosões nucleares- teria representado uma violação ao tratado de proibição de testes nucleares. Mas, se o projeto tivesse seguido em frente, espaçonaves tripuladas teriam visitado boa parte do Sistema Solar, a essa altura.
Diante da idéia de que os vôos espaciais tripulados -os verdadeiros, não esses espetáculos que a Nasa (agência de aeronáutica e espaço dos EUA) monta para entreter o público- poderiam já ter acontecido caso a história se desenrolasse de maneira um pouco diferente, me vi forçado a confrontar meus sonhos juvenis sobre viagens espaciais com uma pergunta: e daí?
Tentei imaginar que coisas maravilhosas as pessoas poderiam ter realizado no espaço, nos 30 anos passados, e não descobri nenhuma. Observação científica? Máquinas podem executá-la. Minerar os asteróides? Idéia duvidosa, mas, mesmo que fizesse sentido, máquinas podem executar essa tarefa.
(Um paralelo: lembram-se de todas aquelas previsões sobre cidades submarinas? É certo que hoje extraímos do mar muitos recursos valiosos, mas ninguém deseja viver lá, ou sequer visitar esses locais de trabalho.)
A triste verdade é que por muitos anos a Nasa vem lutando para inventar razões para colocar pessoas no espaço, mais ou menos como o governo Bush se esforça por inventar razões para... Não vamos tratar disso hoje. Não é mais segredo que o único propósito verdadeiro da Estação Espacial Internacional é oferecer uma razão para que continuemos a lançar ônibus espaciais.
Isso significa que as pessoas nunca mais voltarão ao espaço? Evidentemente, não. A tecnologia continuará avançando: um dia será descoberta uma maneira de colocar as pessoas em órbita e trazê-las de volta que ofereça boa relação custo/benefício. Quando chegar esse momento, valerá a pena repensar os usos do espaço.
Não estou abandonando os sonhos de colonização espacial. Mas nossa atual abordagem -o uso de foguetes imensamente dispendiosos para colocar um punhado de pessoas no espaço, onde elas não têm muito a fazer- é um beco sem saída.

Paul Krugman, economista, é professor da Universidade de Princeton (EUA) e colunista do "The New York Times"

Tradução de Paulo Migliacci



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