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MEMÓRIA
Encontro com um velho sábio
CLAUDIO ANGELO
EDITOR DE CIÊNCIA
Cambridge, Massachusetts, 10
de maio de 2004. Na galeria de
fósseis do Museu de História Natural de Harvard, alguns dos
grandes nomes da biologia moderna -gente como Edward O.
Wilson, pai da sociobiologia, e
Lynn Margulis, mãe da teoria da
simbiogênese- se acotovelam
entre crânios de dinossauro e carapaças de tartarugas gigantes para cantar parabéns para um velhinho sorridente e altivo, que sopra
uma centena de velas espetadas
num bolo logo abaixo de um esqueleto de pterossauro. Aquela
seria a última visita de Ernst Mayr
à universidade que o acolhera
desde 1953.
Uma semana depois, numa manhã quente de sábado, três jornalistas -Steve Mirsky, editor da
revista "Scientific American",
Marcelo Leite, colunista da Folha,
e este repórter- passariam uma
hora e meia com o gigante em sua
casa em Bedford. De paletó, sentado numa poltrona em meio aos
poucos livros que ainda mantinha
em casa (sua coleção há muito foi
doada para a Biblioteca Ernst
Mayr, em Harvard), o biólogo
passaria em revista 80 anos de história da biologia.
Mayr falou, sobretudo, de como
o darwinismo tem resistido a sucessivos ataques, ultimamente da
biologia molecular. "Nenhuma
dessas revoluções na estrutura
nova da biologia, de [Theodore]
Avery [descobridor do DNA como material da hereditariedade] à
genômica, nada disso realmente
afetou o paradigma darwinista."
Fez críticas a desafetos, como o
também zoólogo britânico Richard Dawkins, e a amigos, como
E. O. Wilson. ("Ele é um otimista;
eu sou um realista.") E contou
histórias de seu pupilo rebelde, o
Nobel James Watson, co-descobridor da estrutura do DNA.
"Você sabia que Jim Watson era
um observador de pássaros ardoroso? Quando ele veio de Chicago,
sua mãe me perguntou como ela
poderia fazer para Jim conseguir
seu PhD em ornitologia. Disse a
ela que ele precisava era de uma
formação em biologia. Então, às
vezes, de brincadeira, eu digo:
"Como Jim Watson ganhou um
Nobel? Bem, eu sou o responsável
por isso!'", gargalhou.
Aos 99 anos, duas filhas, cinco
netos e dez bisnetos, demonstrou
na entrevista lucidez impressionante. Às vezes se perdia em divagações e, quando os entrevistadores achavam que não responderia
à pergunta, arrematava: "Agora,
respondendo à sua questão..."
Locomovendo-se com um andador, morando só (sua mulher,
Margareth, morrera em 1990),
Mayr lamentava não conseguir
mais acordar às 6h todos os dias
para caminhar. Mas disse manter
ainda duas de suas receitas para a
longevidade: trabalho e iogurtes.
"Quer olhar minha geladeira?"
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