São Paulo, sábado, 05 de fevereiro de 2005

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MEMÓRIA

Encontro com um velho sábio

CLAUDIO ANGELO
EDITOR DE CIÊNCIA

Cambridge, Massachusetts, 10 de maio de 2004. Na galeria de fósseis do Museu de História Natural de Harvard, alguns dos grandes nomes da biologia moderna -gente como Edward O. Wilson, pai da sociobiologia, e Lynn Margulis, mãe da teoria da simbiogênese- se acotovelam entre crânios de dinossauro e carapaças de tartarugas gigantes para cantar parabéns para um velhinho sorridente e altivo, que sopra uma centena de velas espetadas num bolo logo abaixo de um esqueleto de pterossauro. Aquela seria a última visita de Ernst Mayr à universidade que o acolhera desde 1953.
Uma semana depois, numa manhã quente de sábado, três jornalistas -Steve Mirsky, editor da revista "Scientific American", Marcelo Leite, colunista da Folha, e este repórter- passariam uma hora e meia com o gigante em sua casa em Bedford. De paletó, sentado numa poltrona em meio aos poucos livros que ainda mantinha em casa (sua coleção há muito foi doada para a Biblioteca Ernst Mayr, em Harvard), o biólogo passaria em revista 80 anos de história da biologia.
Mayr falou, sobretudo, de como o darwinismo tem resistido a sucessivos ataques, ultimamente da biologia molecular. "Nenhuma dessas revoluções na estrutura nova da biologia, de [Theodore] Avery [descobridor do DNA como material da hereditariedade] à genômica, nada disso realmente afetou o paradigma darwinista."
Fez críticas a desafetos, como o também zoólogo britânico Richard Dawkins, e a amigos, como E. O. Wilson. ("Ele é um otimista; eu sou um realista.") E contou histórias de seu pupilo rebelde, o Nobel James Watson, co-descobridor da estrutura do DNA.
"Você sabia que Jim Watson era um observador de pássaros ardoroso? Quando ele veio de Chicago, sua mãe me perguntou como ela poderia fazer para Jim conseguir seu PhD em ornitologia. Disse a ela que ele precisava era de uma formação em biologia. Então, às vezes, de brincadeira, eu digo: "Como Jim Watson ganhou um Nobel? Bem, eu sou o responsável por isso!'", gargalhou.
Aos 99 anos, duas filhas, cinco netos e dez bisnetos, demonstrou na entrevista lucidez impressionante. Às vezes se perdia em divagações e, quando os entrevistadores achavam que não responderia à pergunta, arrematava: "Agora, respondendo à sua questão..."
Locomovendo-se com um andador, morando só (sua mulher, Margareth, morrera em 1990), Mayr lamentava não conseguir mais acordar às 6h todos os dias para caminhar. Mas disse manter ainda duas de suas receitas para a longevidade: trabalho e iogurtes. "Quer olhar minha geladeira?"


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