São Paulo, sábado, 05 de abril de 2008

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IPCC usa cenários velhos de redução de CO2, diz grupo

Previsões de painel do clima assumem que tecnologia fica mais limpa com o tempo

No entanto, afirma trio de pesquisadores dos EUA, na última década a produção de energia ficou mais suja, graças à explosão da China

Rungroj Yongkrit/Efe
Mulher apanha água de poço durante estiagem em Mianmar


CLAUDIO ANGELO
EDITOR DE CIÊNCIA

O IPCC, painel de climatologistas das Nações Unidas que ganhou o Nobel da Paz no ano passado, está usando cenários falhos e obsoletos para estimar o quanto a humanidade precisa cortar suas emissões de gases-estufa para evitar uma tragédia climática global.
Quem diz é o australiano Tom Wigley, climatologista do Centro Nacional de Pesquisa Atmosférica (Ncar) dos EUA.
Em um artigo na edição desta semana da revista "Science", Wigley e dois colegas, Roger Pielke Jr. e Christopher Green, argumentam que os cenários de emissões mundiais que o IPCC usa para projetar o futuro do clima na Terra dão de barato que dois terços do ganho de eficiência tecnológica necessário para livrar a economia mundial do gás carbônico (CO2) ocorrerão espontaneamente, sem a necessidade de políticas de redução de emissões. Esses cenários foram criados em 2000, e já não explicam como a economia energética se comportou de lá para cá: a quantidade de CO2 emitido por megawatt de energia gerada aumentou 0,5% ao ano, enquanto os cenários do IPCC prevêem que ela cairia. Eles só serão atualizados no próximo relatório do IPCC, em 2013.
Wigley falou à Folha sobre essa disparidade. Leia a seguir a entrevista.

 

FOLHA - O sr. argumenta que o desafio tecnológico de descarbonizar a economia foi subestimado pelo IPCC. Por quê?
TOM WIGLEY
- Não estamos falando nada dramaticamente novo. Estamos reclamando da maneira como o Grupo 3 do IPCC [que trata de mitigação] apresenta a questão tecnológica. Eles escondem a introdução espontânea de novas tecnologias que se assume nesses cenários. Estamos expondo que eles assumem reduções espontâneas de emissão que ocorreriam sem nenhuma política de clima. E questionamos se essas reduções são realistas.

FOLHA - Então, o mercado sozinho não está dando conta do recado.
WIGLEY
- Exatamente. Há um bocado de reduções de emissão que se assume que ocorreriam só porque são a forma mais eficiente. Há alguma lógica nisso: se você olha para os últimos 30 a 50 anos, foi exatamente isso o que aconteceu. A produção de energia ficou mais eficiente com o tempo e a quantidade de CO2 emitida por unidade de energia produzida diminuiu com o tempo, pelo menos até o ano 2000. Seria razoável supor que isso continuaria no futuro. Mas, claro, não aconteceu: nos últimos cinco a dez anos, ocorreu exatamente o oposto.

FOLHA - E a culpa é da China.
WIGLEY
- (risos) Culpar não é a palavra certa, porque foi exatamente isso o que nós fizemos no Ocidente. Por que nós deveríamos culpá-los por trilhar um caminho que nós já trilhamos? A economia deles precisa crescer e é infeliz que para isso eles usem tecnologia do século 20 em vez de introduzir ativamente tecnologia do século 21.

FOLHA - Mas a indústria não se dá conta em um certo momento de que eficiência é melhor para ela economicamente?
WIGLEY
- E se você quisesse introduzir carros híbridos na Índia? De jeito nenhum eles seriam mais baratos que o novo carro popular indiano. E, apesar da popularidade deles nos EUA, eles são apenas uma fração da frota. E não há nada como aviões híbridos. Nossa súplica é para que as pessoas se dêem conta por favor de que isso é um problema imenso e de que precisamos de uma política orientada à tecnologia.

FOLHA - Isso pode soar como intervenção do Estado na economia, o que não está muito em moda nos EUA, por exemplo.
WIGLEY
- A administração dos EUA no momento certamente não tem interesse nesse tipo de comando e controle. Os EUA podem ser o último lugar a mudar, mas os desafios maiores são China e Índia. A China e a Índia são os elefantes na loja de cristais no momento. É claro que a maioria dos cristais já foi quebrada pelos americanos...


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