São Paulo, Sexta-feira, 05 de Novembro de 1999
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CIÊNCIA
Comportamento é desvinculado de genética

RICARDO BONALUME NETO
especial para a Folha

O "amor de mãe" não é algo que já se nasça sabendo; é algo que se aprende pelo exemplo e que passa de geração em geração não porque está escrito no material genético dos seres vivos, mas sim pela experiência.
Essa descoberta foi feita por pesquisadores no Canadá e o objeto de estudo foram ratos, não seres humanos.
Mas, apesar disso, o achado tem implicações na maneira como as pessoas cuidam das crianças, especialmente nas suas primeiras e fundamentais semanas de vida.
"Nos seres humanos, contextos sociais, emocionais e econômicos influenciam a qualidade do relacionamento entre mãe e filhos e podem mostrar continuidade através das gerações", afirmam os autores da pesquisa.
Os achados estão descritos na edição de hoje da revista "Science". Os autores são Darlene Francis, Josie Diorio, Dong Liu e Michael J. Meaney, da Universidade McGill, em Montreal, no Canadá.
"Nossos achados em ratos podem, portanto, ser relevantes na compreensão da importância de programas precoces de intervenção em seres humanos", dizem os pesquisadores.
Por "intervenção" entende-se alguma forma de cuidado como o materno -carinho, amamentação e troca de fraldas.
Os experimentos, complexos, envolveram várias gerações de ratos. Foi necessário um detalhado controle para evitar que fatores de origem genética influenciassem os resultados.
Estudos anteriores com roedores por outros pesquisadores já demonstraram que poderia haver mecanismos de transmissão de comportamentos ligados ao medo entre gerações, que não envolviam diretamente os genes.
"Os resultados do estudo apóiam essa idéia e sugerem que o mecanismo para esse padrão de herança envolva diferenças em cuidado materno durante a primeira semana de vida", declaram os autores do estudo.
Os testes de Francis e colaboradores avaliaram a relação entre a maneira com que as mães cuidaram dos filhotes e o comportamento que estes apresentaram.
Essencialmente, mostrou-se que os filhotes cujas mães os lambiam e cuidavam com mais frequência, com uma postura específica ao fazê-lo -com as costas arqueadas-, demonstraram menos medo do que os filhotes com mães mais "reservadas".
Essa diferença da "personalidade" de ratos poderia ser de origem genética. Mas os estudos avaliaram filhotes das mães "discretas" criados pelas mães mais atentas. Eles desenvolveram comportamentos menos medrosos.
E, ao ter seus filhos, esses antigos filhotes cuidaram da sua prole de modo mais atencioso, em vez de mais discreto.
Concluindo: no velho debate sobre quem mais influencia o comportamento de um ser vivo, o fator "meio ambiente" ganhou um ponto em relação à questão da hereditariedade.


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