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São Paulo, sexta-feira, 05 de dezembro de 2003

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MEDICINA

Procedimento criado em Ribeirão Preto tenta "reiniciar" sistema imune em 12 pacientes para evitar dano ao pâncreas

USP testa célula-tronco contra o diabetes

REINALDO JOSÉ LOPES
FREE-LANCE PARA A FOLHA

Pesquisadores da USP de Ribeirão Preto estão prestes a tentar uma estratégia inovadora contra o diabetes tipo 1, que afeta principalmente crianças e adolescentes. A idéia é "desligar" o sistema de defesa defeituoso do organismo dos pacientes e refazê-lo com células-tronco, capazes de assumir a função dos mais diversos tecidos.
"Temos esperança de começar na semana que vem", disse à Folha o médico Júlio César Voltarelli, 54, da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (FMRP-USP), que coordena o estudo. A equipe ainda está em busca de pacientes para montar o grupo de 12 pessoas que serão submetidas ao procedimento experimental.
A experiência anterior da equipe, pelo menos, é animadora: Voltarelli e seus colegas já utilizaram a tática em pacientes com grau avançado de doenças auto-imunes (nas quais o próprio sistema de defesa do organismo da pessoa se volta contra ela). Entre 22 pacientes com lúpus (que pode afetar pele, articulações, coração e cérebro) e esclerose múltipla (que dificulta a transmissão de impulsos nas células nervosas), 16 se recuperaram, enquanto os demais acabaram morrendo.
São estratégias diferentes, explica Voltarelli. Embora as três doenças sejam auto-imunes, a diferença das já testadas é que nelas o dano continua a progredir, enquanto no diabetes tipo 1 chega um momento no qual o mal elimina completamente a capacidade do organismo de produzir insulina, hormônio essencial para o metabolismo do açúcar.
É aí que a doença mostra a sua faceta auto-imune. Por razões ainda nebulosas para os cientistas, as pessoas com diabetes tipo 1 sofrem com uma espécie de guerra civil no próprio corpo. As células do sistema imune, que deveriam proteger o organismo de invasores, põem-se a atacar as células do pâncreas que fazem insulina, até praticamente eliminá-las.
"É diferente do diabetes tipo 2, em que o que acontece é muito mais uma exaustão: as células ainda estão lá, mas precisam produzir muito mais, em geral por causa de problemas de obesidade", compara o pesquisador da USP.
Por tudo isso, a intenção dos pesquisadores é aplicar o método em pessoas com diabetes tipo 1 recém-detectado (até seis semanas depois do diagnóstico), nas quais ele tem chance maior de fazer a diferença. O primeiro passo da equipe é utilizar imunossupressores (drogas capazes de "desligar" o sistema de defesa, eliminando as células que o comandam), de forma a ganhar uma trégua no ataque ao pâncreas (veja quadro à esquerda).
A seguir vêm as células-tronco da medula óssea do próprio paciente, que são estimuladas a ir para o sangue, coletadas e reinseridas. A operação lembra o que acontece num computador que trava e precisa ser reinicializado para voltar a funcionar normalmente. Como as células-tronco da medula são capazes de originar qualquer célula do sangue, inclusive as de defesa, espera-se que elas refaçam o sistema imune do paciente -do jeito certo.
Um possível bônus é que, como outros estudos mostraram, as células-tronco medulares têm potencial para ser ainda mais versáteis, virando tecidos não-sanguíneos. Assim, com sorte, elas poderiam reconstituir as células produtoras de insulina perdidas.
O médico diz que a imunossupressão da primeira etapa do processo envolve riscos, mas que em pacientes em estágio inicial não deve causar grandes danos.


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