São Paulo, quarta-feira, 06 de fevereiro de 2002

Próximo Texto | Índice

AMBIENTE

Pesquisador brasileiro cria 6 embriões de proveta do animal, que já foi expulso de 37% de seu território original

Biotecnologia pode salvar onças-pintadas

Associated Press
A Onça-pintada, ou jaguaretê (do tupi, "jaguar verdadeiro")


CLAUDIO ANGELO
EDITOR-ASSISTENTE DE CIÊNCIA

O ano de 2002 começa com uma notícia má e uma boa para a onça-pintada. A má é que o maior predador terrestre das Américas já foi eliminado em mais de um terço de seu território original. A boa, que cientistas brasileiros estão começando a usar genética e técnicas de reprodução in vitro para ajudar a salvar o felino.
Os estudos com reprodução assistida de onças estão sendo desenvolvidos pela equipe do veterinário Ronaldo Morato, da Pró-Carnívoros, ONG de pesquisas sediada em São Paulo. Utilizando óvulos e sêmen de animais criados em cativeiro, ele já conseguiu produzir seis embriões da fera.
A idéia do pesquisador é montar um banco genético da onça-pintada (Panthera onca), com embriões, sêmen e tecidos congelados, com o objetivo aparentemente exagerado de preservar o DNA da espécie para a posteridade. Se for realmente necessário, seria possível usar a biotecnologia no futuro para recompor a diversidade genética do animal.
Morato, no entanto, prefere desenvolver a reprodução assistida do felino como uma espécie de apólice de seguro. "Eu espero que a gente nunca precise disso para salvar uma população", disse o cientista à Folha. "Se essas técnicas chegarem a ser utilizadas, é porque houve um consenso entre os especialistas de que a situação está muito crítica", afirmou. Na Mata Atlântica, por exemplo, já se levanta a possibilidade de gerar onças de proveta para restabelecer o fluxo genético, tornando a população -hoje quase exterminada- mais vigorosa.

Perda de habitat
Em alguns lugares da América, a onça está realmente pedindo água. Um levantamento da ONG americana WCS (Sociedade para a Conservação da Vida Selvagem) e da Universidade Autônoma do México, publicado no início deste mês na revista "Conservation Biology" (conbio.net/scb/ Publications/ConsBio/#online), afirma que o animal está virtualmente extinto em 37% de sua região de ocorrência original.
As zonas críticas correspondem às pontas do território do bicho, como o norte do México, o sudoeste dos EUA, o norte da Argentina e o sul do Brasil, onde a caça e o desmatamento reduziram o habitat do predador.
Em áreas de fronteira agrícola, como o cerrado brasileiro, a probabilidade de sobrevivência do animal nos próximos cem anos é considerada baixa (veja o quadro à direita), e em 18% do território o estado das populações é simplesmente desconhecido.
"É uma situação misturada, porque na Amazônia as onças vão bem", afirma o ecólogo americano Eric Sanderson, da WCS. Ele coordenou o levantamento, que é resultado de um painel de especialistas realizado há dois anos no México. "Para salvar uma espécie, no entanto, você precisa manter populações representativas em todas as regiões onde ela ocorre."
Além da fragmentação dos habitats, um outro problema apontado pelo levantamento é o fato de a onça ocorrer em 18 países. De nada adianta proteger uma população nos EUA, por exemplo, se o desmatamento continua no México, do outro lado da fronteira.
"As políticas de conservação precisam ser multinacionais, o que é complicado", afirmou Morato. "Até no Brasil estratégias de conservação entre os Estados são difíceis de montar", disse.

Biologia desconhecida
Some-se a tudo isso o fato de a biologia da onça ainda ser em grande parte um mistério para os pesquisadores, o que torna técnicas como a fertilização in vitro -usada em gado há anos, com sucesso- difíceis de aplicar.
"Fazemos as coisas por tentativa e erro. Não temos modelos de referência, nem animais em número suficiente para ficar tentando", disse Morato. Ele cita como exemplo o congelamento do sêmen do carnívoro em nitrogênio líquido. Para outros animais, ele pode ser feito em uma hora. No caso da onça é necessário o triplo desse tempo -caso contrário, os espermatozóides morrem.
Morato levou mais de dois anos para chegar aos seis embriões. Mas não pretende usá-los para produzir filhotes enquanto não souber se a técnica funciona.

Outros felinos
A fertilização in vitro já foi testada com sucesso em tigres, em 1991. Mas, após essa data, ninguém mais conseguiu repetir o experimento e gerar filhotes.
No Brasil, ela também está adiantada com dois outros felinos silvestres: a jaguatirica (Leopardus pardalis) e o gato-do-mato pequeno (Felis tigrina). Em ambas as espécies, a Associação Mata Ciliar, outra entidade ambiental, conseguiu implantar embriões no útero de fêmeas cativas.
"Não sabemos ainda se os animais ficaram de fato prenhes", adverte Cristina Adania, veterinária que coordenou o experimento com o norte-americano Bill Swanson, do Zoológico de Cincinnatti (Ohio, EUA). Apesar de já ter 50 embriões de jaguatirica em estoque, Adania diz que a técnica precisa ser aprimorada no cativeiro, "para podermos pensar num trabalho na natureza [com animais soltos" no futuro".



Próximo Texto: Panorâmica - Bioética: João Paulo 2º condena a apropriação da "árvore da vida" pela pesquisa biológica
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.