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NEUROLOGIA
Técnica criada na USP "fatia" tarefas para portadores da doença conseguirem realizar movimentos cotidianos
Parkinson cede a reprogramação motora
CLAUDIO ANGELO
DA REPORTAGEM LOCAL
Uma pesquisadora da USP está
conseguindo devolver movimentos a portadores do mal de Parkinson graças a uma estratégia
que qualquer especialista em
computação acharia suicida: ela
está reprogramando os cérebros
dos pacientes manualmente.
A fisioterapeuta Maria Elisa Piemont, 32, está usando a chamada
memória declarativa (consciente)
dos pacientes para arquivar instruções para a realização de movimentos simples, como levantar da
cama e abotoar a camisa.
Para pessoas normais, essas
ações são tão automáticas que dificilmente tomam consciência delas. Doentes de Parkinson, no entanto, não conseguem realizá-las,
porque a moléstia danifica justamente a região do cérebro onde as
informações sobre sua execução
ficam guardadas.
Grosso modo, o mal de Parkinson pode ser comparado a um vírus de computador. Um vírus poderoso e desconhecido, que tem
uma predileção pelos arquivos da
chamada memória processual. É
nessa memória que ficam armazenadas informações de aquisição
lenta, como as "fórmulas" para
movimentos do cotidiano.
Ao provocar a morte progressiva de células nervosas na chamada "substantia nigra", região do
cérebro que integra o "disco rígido" da memória processual, a
doença de Parkinson estraga os
arquivos auto-executáveis (ativados automaticamente). "É um conhecimento que só é sedimentado pela repetição", diz Piemont.
Com o acesso aos arquivos negado, o paciente desaprende como se mexer. "O programa vai ficando cada vez mais lento, até
emperrar, e às vezes o paciente
não consegue selecionar a informação", afirma a pesquisadora.
Desde a década de 60 os médicos buscam maneiras de fazer
com que os doentes consigam
acessar as informações da memória processual. A mais conhecida
consiste em oferecer pistas visuais, como desenhos padronizados no chão, para que os pacientes se lembrem de como devem
proceder para andar.
"O problema dessa técnica é
que sua aplicação é restrita a um
único movimento", diz Piemont.
Estudando pacientes com Parkinson para sua dissertação de mestrado, a fisioterapeuta resolveu
usar uma outra abordagem: em
vez de ficar tentando recuperar
arquivos num disco rígido estragado, ela partiu para um "backup" desses mesmos arquivos
num outro disco -no caso, a memória declarativa ou consciente.
Essa memória, sediada em regiões do cérebro que não são atingidas pelo mal de Parkinson (como o córtex), é responsável pelo
aprendizado verbal.
Vestir e abotoar
Piemont experimentou dividir
quatro tarefas (levantar da cama,
vestir a camisa, abotoar e andar)
em unidades mínimas de movimento e fazer os pacientes decorarem cada uma delas.
Assim, em vez de instruir o
doente a se levantar, ela lhe passava uma lista dos movimentos que
compõem o gesto, como dobrar
as pernas, virá-las para o lado, virar cabeça e tronco para o lado e
jogar as pernas para fora da cama.
"Comecei a treiná-los a sair de
uma forma automática de execução, que não está funcionando,
para uma forma consciente."
A pesquisadora passou, então, a
realizar sessões de fisioterapia
com um grupo de 17 pacientes (5
mulheres e 12 homens) com idade
média de 73 anos, na Associação
Brasil Parkinson, uma organização que dá assistência a doentes.
Cada um deles foi submetido a oito sessões de 40 minutos, em que
os indivíduos decoravam a lista
de tarefas e tentavam executar o
movimento repetidas vezes.
Para se certificar de que os movimentos eram controlados conscientemente, Piemont dava em
cada sessão duas tarefas com a lista de etapas e duas sem lista. No final, o tempo de execução das tarefas da lista havia sido reduzido
-em alguns casos, a um terço.
A memorização consciente dos
movimentos também pôde ser
demonstrada com o auxílio de
um truque: "Quando eu pedia
que fizessem o movimento e falassem o nome dos quatro últimos prefeitos de São Paulo eles
travavam: faziam uma coisa ou
outra", disse a pesquisadora.
O trabalho foi apresentado no
fim de 2000 no "Neuroscience", o
congresso anual de neurologia da
Associação Americana para o
Avanço da Ciência (AAAS). "Foi
um sucesso", disse o neurofisiologista Gilberto Xavier, do Instituto
de Biociências da USP, orientador
do trabalho.
"É claro que isso não é a cura da
doença. Parkinson não tem cura",
ressalta Piemont. "Mas a qualidade de vida e a independência dos
pacientes aumentaram, e é para
isso que serve a fisioterapia."
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