São Paulo, sexta-feira, 06 de abril de 2001

Próximo Texto | Índice

NEUROLOGIA

Técnica criada na USP "fatia" tarefas para portadores da doença conseguirem realizar movimentos cotidianos

Parkinson cede a reprogramação motora

CLAUDIO ANGELO
DA REPORTAGEM LOCAL

Uma pesquisadora da USP está conseguindo devolver movimentos a portadores do mal de Parkinson graças a uma estratégia que qualquer especialista em computação acharia suicida: ela está reprogramando os cérebros dos pacientes manualmente.
A fisioterapeuta Maria Elisa Piemont, 32, está usando a chamada memória declarativa (consciente) dos pacientes para arquivar instruções para a realização de movimentos simples, como levantar da cama e abotoar a camisa.
Para pessoas normais, essas ações são tão automáticas que dificilmente tomam consciência delas. Doentes de Parkinson, no entanto, não conseguem realizá-las, porque a moléstia danifica justamente a região do cérebro onde as informações sobre sua execução ficam guardadas.
Grosso modo, o mal de Parkinson pode ser comparado a um vírus de computador. Um vírus poderoso e desconhecido, que tem uma predileção pelos arquivos da chamada memória processual. É nessa memória que ficam armazenadas informações de aquisição lenta, como as "fórmulas" para movimentos do cotidiano.
Ao provocar a morte progressiva de células nervosas na chamada "substantia nigra", região do cérebro que integra o "disco rígido" da memória processual, a doença de Parkinson estraga os arquivos auto-executáveis (ativados automaticamente). "É um conhecimento que só é sedimentado pela repetição", diz Piemont.
Com o acesso aos arquivos negado, o paciente desaprende como se mexer. "O programa vai ficando cada vez mais lento, até emperrar, e às vezes o paciente não consegue selecionar a informação", afirma a pesquisadora.
Desde a década de 60 os médicos buscam maneiras de fazer com que os doentes consigam acessar as informações da memória processual. A mais conhecida consiste em oferecer pistas visuais, como desenhos padronizados no chão, para que os pacientes se lembrem de como devem proceder para andar.
"O problema dessa técnica é que sua aplicação é restrita a um único movimento", diz Piemont. Estudando pacientes com Parkinson para sua dissertação de mestrado, a fisioterapeuta resolveu usar uma outra abordagem: em vez de ficar tentando recuperar arquivos num disco rígido estragado, ela partiu para um "backup" desses mesmos arquivos num outro disco -no caso, a memória declarativa ou consciente.
Essa memória, sediada em regiões do cérebro que não são atingidas pelo mal de Parkinson (como o córtex), é responsável pelo aprendizado verbal.

Vestir e abotoar
Piemont experimentou dividir quatro tarefas (levantar da cama, vestir a camisa, abotoar e andar) em unidades mínimas de movimento e fazer os pacientes decorarem cada uma delas.
Assim, em vez de instruir o doente a se levantar, ela lhe passava uma lista dos movimentos que compõem o gesto, como dobrar as pernas, virá-las para o lado, virar cabeça e tronco para o lado e jogar as pernas para fora da cama. "Comecei a treiná-los a sair de uma forma automática de execução, que não está funcionando, para uma forma consciente."
A pesquisadora passou, então, a realizar sessões de fisioterapia com um grupo de 17 pacientes (5 mulheres e 12 homens) com idade média de 73 anos, na Associação Brasil Parkinson, uma organização que dá assistência a doentes. Cada um deles foi submetido a oito sessões de 40 minutos, em que os indivíduos decoravam a lista de tarefas e tentavam executar o movimento repetidas vezes.
Para se certificar de que os movimentos eram controlados conscientemente, Piemont dava em cada sessão duas tarefas com a lista de etapas e duas sem lista. No final, o tempo de execução das tarefas da lista havia sido reduzido -em alguns casos, a um terço.
A memorização consciente dos movimentos também pôde ser demonstrada com o auxílio de um truque: "Quando eu pedia que fizessem o movimento e falassem o nome dos quatro últimos prefeitos de São Paulo eles travavam: faziam uma coisa ou outra", disse a pesquisadora.
O trabalho foi apresentado no fim de 2000 no "Neuroscience", o congresso anual de neurologia da Associação Americana para o Avanço da Ciência (AAAS). "Foi um sucesso", disse o neurofisiologista Gilberto Xavier, do Instituto de Biociências da USP, orientador do trabalho.
"É claro que isso não é a cura da doença. Parkinson não tem cura", ressalta Piemont. "Mas a qualidade de vida e a independência dos pacientes aumentaram, e é para isso que serve a fisioterapia."


Próximo Texto: Gene mutante prolonga vida de mosca
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.