|
Próximo Texto | Índice
EVOLUÇÃO
Fóssil canadense de 380 milhões de anos é considerado elo perdido entre animais aquáticos e vertebrados terrestres
Paleontólogos encontram peixe com pata
REINALDO JOSÉ LOPES
DA REPORTAGEM LOCAL
É o fóssil que todo estudioso da
evolução pediu a Deus: um peixe
com patas. Aliás, também com o
começo de um pulso nas "mãos"
e um pescoço. Os paleontólogos
costumam fugir do clichê, mas
não dá para negar: esse animal é o
elo perdido na origem de todos os
vertebrados terrestres, inclusive o
Homo sapiens.
A história quase inacreditável
do Tiktaalik roseae, um predador
de águas rasas que pode ter alcançado até 2,7 m de comprimento
quando vivo, começa a ser revelada na edição de hoje da revista
científica "Nature" (www.nature.com). O bicho foi retirado do
meio de rochas com 380 milhões
de anos por um trio de paleontólogos americanos, Neil Shubin,
Edward Daeschler e Farish Jenkins Jr. "Nós o achamos em meio
a um cenário ártico clássico, na
ilha de Ellesmere [Canadá], rodeados por ursos polares e bois-almiscarados", contou Shubin.
No entanto, durante o Período
Devoniano (fase da história da
Terra na qual o bicho viveu), a região estava muito mais próxima
do Equador, de forma que o Tiktaalik provavelmente passava
seus dias num agradável delta de
rio subtropical, de águas rasas e
cheias de barro. "Temos vários esqueletos articulados, e o mais
completo vai até a base da cauda",
diz Shubin, que trabalha na Universidade de Chicago. O tamanho
varia -o menorzinho pode ter tido 1,2 m- mas são todos membros da mesma espécie.
De brincadeira, os descobridores do Tiktaalik estão chamando
o bicho de "peixápode" -mistura de peixe com tetrápode, nome
técnico dado a todos os vertebrados terrestres (a palavra grega
quer dizer "de quatro patas"). De
fato, o fóssil cumpre perfeitamente essa função de intermediário
entre os dois grupos. Antes dele,
só se conheciam tetrápodes verdadeiros, com membros cheios
de dedos, ou peixes com nadadeiras musculosas, mas que não chegavam perto de uma pata.
O Tiktaalik, por outro lado, tem
"barbatanas" que parecem estar
querendo virar braços e pernas,
mas não chegaram lá -ainda. Os cientistas
simularam sua postura e estimaram que as pontas das nadadeiras
-os "pulsos"- podiam se dobrar, de forma a manter o bicho
apoiado no solo. "Antes, as pessoas viam a mão inteira dos tetrápodes como algo que aparece de
repente. O Tiktaalik muda isso",
afirma Neil Shubin.
É uma capacidade que pode ter
sido útil para se mover em meio a
pedras, lodo ou plantas aquáticas,
e mesmo para se arrastar fora d'água por períodos curtos. Ele tinha
brânquias para respirar na água,
mas sua boca estava organizada
de tal jeito que ele poderia também arrancar oxigênio do ar.
Os olhos no topo da cabeça, feito os de um jacaré, ajudavam a
mantê-lo alerta tanto dentro
quanto fora d'água, e o surgimento de um pescoço, com ossos móveis, facilitava sua atividade de
predador. Faltam apenas os dedos -o principal "salto" evolutivo que ainda separa a criatura dos
vertebrados terrestres.
Ajuda brasileira
O animal tem ainda uma característica pouco usual em peixes:
suas costelas "montam" umas nas
outras, como se fossem placas rígidas. "Isso serve para dar sustentação ao tronco", disse à Folha
Jenkins, paleontólogo da Universidade Harvard. "Acreditamos
que essa característica apareça em
criaturas que deixam a flutuação e
precisam das costelas para apoiar
o corpo num ambiente dominado
pela gravidade."
Essa hipótese anatômica, agora
comprovada pelo novo fóssil, foi
desenvolvida por Jenkins há mais
de três décadas. E com uma ajudinha brasileira. O cientista conta
que estava estudando costelas de
vertebrados terrestres fósseis e
atuais. E um dos raros casos de
costelas sobrepostas está justamente num animal brasileiro,
uma espécie de tamanduá.
"O problema é que eu não tinha
nenhum esqueleto de tamanduá
para estudar", conta Jenkins.
"Quem me arrumou um foi o
grande zoólogo e compositor brasileiro Paulo Vanzolini", lembra.
O trio de cientistas deve voltar
ao Ártico no meio deste ano para
coletar mais fósseis da criatura.
Jenny Clack, especialista em tetrápodes primitivos da Universidade de Cambridge, disse em comentário na "Nature" que o fóssil
tem tudo para se tornar um ícone
das transições evolutivas, tal como o Archaeopteryx, o dinossauro com penas que é considerado a
mais antiga ave.
Próximo Texto: Brasil no espaço: Astronauta valeu o investimento, diz Lula em conversa com Pontes Índice
|