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POLÊMICA
Francês que afirmou ter comprovado o princípio da homeopatia critica o domínio da genética e os "talibãs" da ciência
"Sou um médico clássico", diz Benveniste
Alexandre Campbell/Folha Imagem
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O imunologista francês Jacques Benveniste, em hotel do Rio |
CLAUDIO ANGELO
EDITOR-ASSISTENTE DE CIÊNCIA
O imunologista francês Jacques
Benveniste está certo de que vai
rir por último. Mais de uma década depois de protagonizar uma
das maiores polêmicas científicas
dos últimos anos, ao propor, em
1988, que a água tinha "memória"
-o que explicaria um dos princípios da homeopatia-, ele viu um
grupo de pesquisadores europeus
comprovar atividade biológica
em uma solução diluída a ponto
de não conter virtualmente nenhuma molécula ativa.
Benveniste, que chefiava um
respeitado grupo de pesquisas no
Instituto Nacional de Saúde e Pesquisas Médicas da França, perdeu
prestígio acadêmico e todo o financiamento público depois de
publicar, na revista científica "Nature" um estudo no qual afirmava
que soluções compostas por água
na qual haviam estado moléculas
ativas ainda fazia efeito sobre células imunológicas humanas.
O estudo, que saiu em 30 de junho de 88, era tão insólito que o
editor-chefe da revista à época,
John Maddox, resolveu publicá-lo
sob a condição de que o laboratório de Benveniste seria inspecionado depois por uma comissão
designada pela "Nature". Como
não conseguiu replicar o experimento, Benveniste virou sinônimo de fraude no meio acadêmico.
Hoje, o francês faz suas pesquisas numa companhia que ele
mesmo fundou, a DigiBio, numa
área que parece ainda mais esotérica: a biologia digital. Ele afirma
ter comprovado que as moléculas
emitem sinais eletromagnéticos
que podem ser de algum modo
armazenados pela água e transmitidos pela internet.
Aos 67 anos, o francês veio ao
Brasil para participar do Simpósio Internacional de Pesquisa em
Homeopatia, no Rio de Janeiro.
Em entrevista concedida à Folha numa sala de aula da Universidade Federal de São Paulo, o
pesquisador contou a sua versão
do "caso Benveniste", criticou a
hegemonia da genética nas pesquisas, a biologia moderna e os
homeopatas. Diz que se define como um médico "clássico" e não
hesita em receitar paracetamol
quando seus filhos têm febre.
Folha - O que falta para a homeopatia ser reconhecida pela chamada ciência ortodoxa?
Jacques Benveniste - A homeopatia tem falhado em desenvolver
uma política de pesquisa, que seria direcionada ao que nós chamamos de medicina baseada em
evidências. Alguns trabalhos foram feitos mostrando a eficácia
da homeopatia, mas não bastantes para convencer o mundo sobre isso. O segundo problema
principal dos homeopatas é que
eles não conseguiram explicar como uma droga que não contém
moléculas pode agir. Mesmo
quando muitos laboratórios têm
muito bons resultados, não publicam em revistas científicas.
Folha - Isso seria um reflexo do
caso Benveniste?
Benveniste - Sim, isso tem a ver
com o caso Benveniste, mas às
avessas. Eles levaram o caso da
"Nature" ao contrário, porque,
em vez de dizer: "OK, nós perdemos uma batalha, mas agora sabemos o que fazer", que é mandar
um, dois, quatro, dez, 20 artigos
de boa ciência básica para "Nature", "Science", "PNAS", grandes
revistas, essas pessoas dizem:
"Veja o que aconteceu com Benveniste! Então vamos publicar
nossos dados na Revista Brasileira
de Homeopatia". Que não é nada!
Além do mais, grandes companhias homeopáticas, não fazem
praticamente nenhuma pesquisa.
Folha - O sr. não acha que acontece exatamente o contrário, quer dizer, grandes revistas, como a
"Science" e a "Nature" se recusam
a publicar artigos de homeopatas
dada a experiência prévia?
Benveniste - É exatamente isso.
Não só de homeopatas. E eu mesmo, publiquei na vida 30 artigos
no "Journal of Immunology" [da
Associação Americana de Imunologia". Mas um que eu mandei sobre biologia digital foi recusado,
por razões puramente ideológicas. Hoje, se você quer mandar
um artigo que não seja biologia
molecular ou genética molecular,
eles não estão interessados. No
entanto, a aplicação da genética
ao tratamento de doenças é uma
falha completa.
Folha - É uma área que está começando...
Benveniste - Após 15 anos? Após
500 testes clínicos? E agora eles estão falando que não terão nenhum resultado em menos de 30,
40 anos. Se você pegar os quatro
principais inimigos na humanidade -doenças cardiovasculares, câncer, doenças parasitárias e
degenerativas-, não houve nenhum progresso na biologia fundamental nos últimos 30 anos.
Folha - Poderíamos dizer que é o
jeito como as coisas andam.
Benveniste - Em 30 anos? Você
pode cravar, sem ser desmentido,
que os maiores progressos na cardiologia nos últimos 30, 40 anos
foram o cateter, o óleo de oliva e a
aspirina. É o princípio da biologia
que está errado. A biologia está na
era ptolomaica ainda.
Folha - O sr. não acha que um problema da homeopatia é há muitos
"bruxos" na área? Gente que acredita em "energias", por exemplo?
Benveniste - Sim, eu concordo.
Mas, se você pegar os livros clássicos de medicamentos, daqueles
que todo médico tem em suas
mesas, eles têm até 15 mil drogas.
E é geralmente admitido que nem
10% delas funcionam realmente.
E ninguém vai dizer que a medicina clássica é bruxaria.
Folha - Como aconteceu o caso
com a "Nature" em 88?
Benveniste - John Maddox me
disse em 1987 que não podia publicar o paper antes que ele fosse
pré-replicado antes em outros laboratórios, o que é contra a lei.
Mas eu o fiz. O trabalho foi replicado em três laboratórios, no Canadá, na Itália e em Israel. Todo
mundo se esqueceu completamente disso. Além disso, em 1991,
a "Nature" publicou um artigo
que podemos chamar, para usar
um eufemismo, de um erro voluntário. Eles usaram minha técnica sem me consultar e fizeram
14 modificações nela. Os autores
viram o efeito, mas disseram que
podia ser um erro estatístico. Foi
tudo armado pela "Nature".
Por quê?
Benveniste - É uma guerra religiosa. É como se eu estivesse tentando publicar no "Observatório
Romano" um artigo provando
que Jesus nunca existiu. E uma
guerra pessoal: a primeira mulher
de Maddox morreu de câncer. E
foi tratada por um homeopata.
O sr. processou a "Nature"?
Benveniste - Não. Eu não tenho
base para fazer isso.
Mas eles o fizeram perder todo o
seu financiamento.
Benveniste - Não basta. Se eu
sou um mau cientista e a "Nature"
mostra que eu sou um mau cientista, é normal que eu perca a minha posição. E eles podem provar
no tribunal que ninguém jamais
processou uma revista científica.
É uma pergunta que pode ser feita: por que a ciência está fora das
regras jurídicas gerais?
Havia falhas no seu experimento
original que não sustentassem a
publicação, apesar de o experimento estar certo no conceito?
Benveniste - Ninguém mostrou
um erro metodológico no meu artigo. Dois anos depois da "Nature", eu mandei dois artigos sobre
imunologia para duas revistas importantes. Eles foram publicados!
Com os mesmos testes errados,
sujos e horríveis de que falavam.
Folha - Madeleine Ennis, da Universidade Queens, em Belfast, observou em 2001 efeito biológico de
diluições muito altas, mas disse
que, "diferentemente de Benveniste, eu não tenho teorias fantásticas
para explicar isso".
Benveniste - Eles usaram exatamente o mesmo método que eu
usei, mas dizem que "isso não
confirma de jeito nenhum os
achados de Benveniste". O que é,
para ser gentil, uma criancice. Se
ela não tem teoria nenhuma, é
porque ela está exatamente no
mesmo ponto em que eu estava
em 1985. Em vez de trabalhar comigo, Ennis fez testes por toda a
Europa com a minha técnica e
acabou publicando um sumário
duas páginas num congresso em
Barcelona. Sem impacto nenhum.
Folha - O sr. tentou publicar seus
resultados com biologia digital em
algum dos grandes periódicos?
Benveniste - Não. É como se eu
voltasse ao "Observatório Romano" e dissesse: "Olha, agora eu tenho mais testes que provam que
Jesus não existiu". O que nós estamos tentando fazer agora é reproduzir os resultados em grandes laboratórios. O que não é simples,
trabalhando com campos eletromagnéticos, e não podemos controlar tudo. Estamos em 1905,
com aviões algumas vezes decolando, outras não.
Folha - Há alguma doença para a
qual o sr. não recomendaria tratamento homeopático?
Benveniste - Eu diria que, se você tiver infecção no miocárdio, ou
septicemia, melhor é recorrer a
antibióticos ou tratamento intensivo. Quando eu chefiava a clínica
da Universidade de Paris, meu
trabalho era tratamento intensivo
de pacientes de câncer. Então, eu
sou um médico totalmente clássico. Agora, minha filha mais nova
teve febre em Cuba, e um amigo
homeopata disse para dar um certo grânulo [homeopático" para
ela. Eu respondi que só se ele me
mostrasse um artigo comprovando a eficiência do grânulo contra
febre. Dei paracetamol para ela.
Folha - O sr. é o único cientista a
ganhar duas vezes o prêmio IgNobel [o Nobel da pesquisa inútil". Isso o incomoda?
Benveniste - Incomoda muito,
porque há um bocado de vigilantes que atira em tudo o que se move. Sob o pretexto de fazer piada,
esses homens exercem o integrismo. Eles são os talibãs da ciência.
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