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São Paulo, terça-feira, 06 de maio de 2003

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CÉREBRO

Brasileiros em universidades dos EUA querem reverter fuga de cientistas com instituto de pesquisa de ponta em Natal

Grupo propõe centro de excelência no RN

CLAUDIO ANGELO
EDITOR-ASSISTENTE DE CIÊNCIA

O que você faria se fosse um pesquisador brasileiro bem-sucedido numa área de ponta, ocupando um cargo numa universidade dos EUA, com financiamento garantido para suas pesquisas e vários trabalhos publicados em revistas como "Science" e "Nature"? Um trio de neurocientistas nessa situação tem a resposta: largar tudo e ir para o Rio Grande do Norte.
Os três brasileiros -Miguel Nicolelis e Sidarta Ribeiro, da Duke University, e Cláudio Mello, da Oregon Health and Science University- propuseram ao Ministério da Ciência e Tecnologia a criação de um instituto internacional de neurociências em Natal.
O instituto serviria como um centro de excelência de pesquisa, para formação de neurocientistas no Brasil, para atração de pesquisadores estrangeiros e para trazer de volta cientistas brasileiros que hoje estão no exterior.
Segundo a Capes (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior), 10% dos pesquisadores brasileiros que saem não voltam. Um estudo do atual secretário de Ciência e Tecnologia do Ministério da Saúde, Reinaldo Guimarães, mostra que, de 1993 a 1999, o Brasil perdeu 966 cientistas -60% deles para os EUA.
"A idéia é descentralizar a produção científica, que está concentrada no Sul e no Sudeste", disse à Folha Nicolelis, 42, radicado nos Estados Unidos há 15 anos.
Além disso, afirma o pesquisador, o instituto inauguraria um modelo de financiamento à pesquisa no Brasil que fez dos EUA a maior potência científica do planeta: a captação de doações de pessoas físicas, aliada a dinheiro de fundações internacionais. "Poderíamos dar um "bypass" [contornar] na estrutura universitária tradicional brasileira."
Apesar de não dizer quanto custariam a montagem e o funcionamento do projeto, Nicolelis afirma que existem fundações estrangeiras -como a MacArthur e a Pew, dos EUA, e a Human Frontiers, do Japão- que poderiam aplicar recursos no instituto, que ele espera ver em atividade nos próximos três anos.
"Quando o dinheiro começar a fluir de fora do Brasil", afirma o cientista, será possível sentar com a aristocracia brasileira e "convencê-la de que não dá para ter crescimento econômico sem investir em educação e ciência".
Pelo menos um neurocientista ganhador do Prêmio Nobel já teria aceitado participar do comitê gestor do instituto.

"Brasília" científica
O centro de neurociência funcionaria no campus da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, com a qual já haveria negociações adiantadas. Um simpósio internacional de neurociência está sendo organizado para o ano que vem na cidade.
Segundo Nicolelis, a escolha da capital potiguar teve vários objetivos: primeiro, criar um pólo de ciência de ponta numa Unidade da Federação sem tradição de investimento em pesquisa e sem uma economia comparável à dos Estados do Sudeste. "Queremos fazer uma Brasília científica", afirma Nicolelis, em alusão à capital que foi construída do nada no meio do cerrado -aliás, Mello e Ribeiro são brasilienses.
"Se [o modelo] funcionar lá, vai funcionar em qualquer lugar do Brasil", afirma o cientista. "Aí, poderemos ter um pólo de física experimental em Belém e de doenças tropicais em Porto Velho."
Depois, Natal tem algo mais a oferecer à neurociência do que praias e dunas: a UFRN possui um dos melhores centros de primatologia do país. E os macacos, parentes mais próximos do homem, são indispensáveis para compreender como funciona o cérebro humano. Nos países desenvolvidos, a importação e a manutenção dos animais pelos centros de pesquisa é muito cara, além de enfrentar oposição de ONGs de direitos dos animais.
Por fim, claro, há as dunas e praias. Pesquisadores estrangeiros poderiam vir para Natal, fazer ciência de qualidade e "morar num dos lugares mais maravilhosos do mundo", diz Nicolelis.
O grupo, que se disse inspirado pela eleição de Lula, pretende ainda integrar ao centro de pesquisa uma escola para 300 crianças, com ênfase no ensino de ciências, e um centro de referência em saúde mental, para traçar o perfil epidemiológico das doenças mentais no Estado. "Depois de novembro, percebemos que está na hora de o Brasil ser feito", disse Nicolelis. "Seria excelente se o nosso primeiro Nobel viesse de Natal."


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