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AMBIENTE
Americano Thomas Lovejoy, pioneiro na pesquisa da Amazônia, diz que transformar árvores em CO2 afeta soberania
Brasil internacionaliza floresta, diz ecólogo
Bel Pedrosa - 23.jun.2002/Folha Imagem
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O ecólogo Thomas Lovejoy, durante entrevista no Rio de Janeiro |
DE WASHINGTON
A verdadeira internacionalização da floresta amazônica já começou e avança a cada dia: ao
transformar árvores em gás carbônico (CO2) e alimentar o aquecimento global, os próprios brasileiros cuidam do assunto.
O autor da afirmação tem nome
e reputação para fazer as críticas:
Thomas Lovejoy, ecólogo e estudioso da Amazônia há 40 anos.
Pioneiro da pesquisa sobre fragmentação florestal, presidente do
Centro Heinz de Ciência, Economia e Ambiente, em Washington,
ele foi o primeiro cientista a usar o
termo "diversidade biológica",
ainda nos anos 1980.
"Transformar a floresta em CO2
é uma forma de internacionalização da Amazônia", afirmou.
O americano Lovejoy, que vem
ao Brasil nesta semana para uma
conferência sobre ambiente e governança, diz que há uma "histeria" no país quando estrangeiros
pedem mais proteção da floresta.
"Sempre houve um tipo de histeria sobre biopirataria. E na prática a única biopirataria é a destruição da floresta. É roubá-la de
futuras gerações de brasileiros.
Cientistas são pessoas como qualquer outra. Haverá um ou outro,
ocasionalmente, que não seguirá
as regras. Mas a maioria é muito
preocupada com isso."
Diante dos dados sobre desmatamento no norte do país, Lovejoy
afirma que a floresta está próxima
de um ponto limite, a partir do
qual a redução da cobertura verde
será incapaz de gerar a chuva necessária e, consequentemente, secar. É uma questão de "poucos
anos", avalia. Leia abaixo trechos
da sua entrevista à Folha.
(IURI DANTAS)
Como o sr. avalia a expansão da
fronteira agrícola no Brasil?
Thomas Lovejoy - Essa questão
da fronteira agrícola é um assunto
de ganhos no curto prazo versus
ganhos no longo prazo. Você pode fazer muito dinheiro no curto
prazo com a soja. Mas, no longo
prazo, o valor dos recursos genéticos e da floresta para o Brasil são
muito, muito maiores.
Estudos muito elegantes mostram que a chuva da Amazônia é
gerada no local porque existe floresta. Isso significa que existe um
ponto em que a redução da floresta vai diminuir isso [a precipitação], e vai começar a secar. E não
seremos capazes de parar o processo. Ninguém sabe que ponto é
esse. Para mim, este é o tema mais
importante neste momento.
Folha - A urgência puxa a necessidade prática de uma alternativa
econômica para os moradores da
floresta. Como fazer?
Lovejoy - É muito importante
oferecer qualidade de vida para o
povo da Amazônia. Não há nenhuma solução para o desenvolvimento econômico, a menos que
se resolva esse problema para a
pessoas de lá. Por isso há governos como o de Jorge Viana [do
Acre] buscando alternativas econômicas baseadas na exploração
sustentável da floresta, em vez de
commodities agrícolas.
Folha - Embora elogiáveis, são
iniciativas incipientes, não?
Lovejoy - Acreditamos que possam dar resultado também no
curto prazo. Mas o longo prazo é
um valor gigantesco. Porque o
Brasil e a floresta têm uma porção
significativa dos genes do mundo.
E o investimento de longo prazo
em ciência e empreendedorismo
vão encontrar algo incrível por lá.
Folha - Na prática, vemos áreas
enormes da floresta queimarem
por ausência de fiscalização. O governo atual avançou?
Lovejoy - É muito significativo
como o Brasil tem conseguido
proteger partes da floresta. É uma
história que precisa ser contada.
Há a parte destruída, mas também a conservada. Há um projeto
em andamento chamado Arpa,
feito em conjunto pelo Banco
Mundial e pela WWF, e quando
se vê o que foi feito, inclusive sobre a conservação de áreas indígenas... Também o que vem sendo
feito nos Estados, que não eram
atores há dez anos. Cerca de 40%
da Amazônia brasileira está sob
alguma forma de proteção, o que
é impressionante. E Estados individuais estão construindo essa capacidade de zoneamento ecológico e econômico. O problema é
que no sul do arco de desmatamento não há fiscalização devida.
Folha - Quase metade da floresta
sob proteção não é bem o senso comum. Imagina-se um cenário pior
que esse.
Lovejoy - Sim, ao mesmo tempo
é verdade. Mas de uma forma, é
uma corrida para o fim. O assustador é o que vai acontecer se cruzarem o ponto de equilíbrio. Porque então muito dos bons esforços terão sido por nada. E acredito que estamos muito próximos.
O número de incêndios que ocorrem hoje. Florestas tropicais não
queimam tão facilmente. E a
quantidade de incêndios parece
ser evidência de secura local, não
dá pra dizer exatamente, mas é
um sintoma, certamente.
Folha - O governo atual propõe
alugar áreas de floresta para a iniciativa privada. É uma boa idéia?
Lovejoy - Esse projeto tem um
grande potencial. Por duas razões. A primeira é que estende a
proteção da floresta além das reservas que o governo cria. E em
segundo, está ligado a interesses
privados, basicamente constituindo uma base para o desenvolvimento sustentável. De repente,
torna-se interesse de alguém
apoiar o desenvolvimento sustentável. Na Costa Rica, por exemplo,
não sei quantas centenas de áreas
privadas de conservação existem.
Num lugar há uma fazenda de
borboletas, em outro, uma fazenda ecológica. É sempre empreendedorismo empresarial.
Folha - O sr. enfrentou algum episódio de resistência à sua presença
na Amazônia, por ser estrangeiro?
Lovejoy - Algumas vezes. Ainda
acontece. Sempre houve um tipo
de histeria sobre biopirataria. E na
prática a única biopirataria é a
destruição da floresta. É roubá-la
de futuras gerações de brasileiros.
Cientistas são pessoas como qualquer outra. Haverá um ou outro,
ocasionalmente, que não seguirá
as regras. Mas a maioria é muito
preocupada com isso.
O foco real deveria ser preservar
a floresta. Essa é a biopirataria
real. Transformar a floresta em
CO2 é uma forma de internacionalização da Amazônia.
Folha - É possível indicar qual é o
vilão, singular ou plural, que atrapalha a conservação?
Lovejoy - É muito difícil ter uma
única solução. A solução no final
precisa incluir zoneamento ecológico e econômico, fiscalização e
criação de desenvolvimento com
base na floresta. A minha impressão é que, quando o governo central leva isso a sério, as coisas
acontecem.
Folha - Como o sr. vê a equipe de
Lula no Meio Ambiente?
Lovejoy - [A ministra] Marina é
muito boa, mas o problema sempre foi fazer com que a Casa Civil
levasse a sério isso. Desde que o
problema [de desmatamento]
veio à tona, eles têm conseguido.
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