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HISTÓRIA
Arquivo dinamarquês divulga relatos de conversa de 1941 sobre bomba atômica que virou peça de teatro e romance
Texto de Bohr nega acordo com Heisenberg
MARCELO LEITE
EDITOR DE CIÊNCIA
Terminou o suspense: o Arquivo Niels Bohr, de Copenhague, divulgou os documentos do físico
dinamarquês sobre seu encontro
de setembro de 1941 com o alemão Werner Heisenberg, mantidos em sigilo por mais de 40 anos.
A biografia do chefe do programa
nazista para construir uma bomba atômica saiu um pouco mais
chamuscada do episódio.
O principal documento, na leva
de 14 publicados pela internet
(www.nbi.dk/NBA/papers/introduction.htm), é o rascunho
sem data de uma carta de Bohr a
Heisenberg, provavelmente de
1957, que nunca foi enviada.
Esse é o ano considerado provável porque Bohr reage ao conteúdo de uma carta de Heisenberg ao
escritor alemão Robert Jungk,
com uma versão da conversa
mantida em 1941 que provavelmente enfureceu Bohr: seu ex-pupilo alemão disse que eles teriam
tratado de escrúpulos morais
acerca da construção da bomba.
Na versão de Heisenberg, o desconforto de Bohr no encontro teria vindo de ficar sabendo, pelo
alemão, que a construção da
bomba era possível. O cientista
dinamarquês afirma no rascunho
ora divulgado que essa possibilidade já estava clara para ele fazia
três anos. Escreve que se lembra
de cada palavra dita e chama a
atenção do colega mais jovem:
"Que meu silêncio e gravidade,
como você escreve na carta, pudessem ser tomados como uma
expressão de choque diante de
seus relatos de que era possível fazer uma bomba atômica é um
mal-entendido bastante peculiar,
que deve ter ocorrido pela grande
tensão em sua própria mente"
(veja fac-símile e leia a íntegra do
rascunho, de 1957, à direita).
A conversa de 1941 aparece como motivo central da peça "Copenhagen", de Michael Frayn,
que se encontra em cartaz em São
Paulo. Também funciona como
elemento importante da trama do
romance "Em Busca de Klingsor", de Jorge Volpi.
Ambas as obras focalizam os dilemas éticos da pesquisa científica
quando ela se descobre capaz de
produzir efeitos devastadores no
mundo real. Um tema para lá de
atual, com a física de partículas
substituída no imaginário público
pela não menos esotérica e perturbadora engenharia genética.
Sem acordo
Em 1962, Bohr ainda estava às
voltas com a acuidade de suas
lembranças sobre o episódio. No
documento nš 11b liberado ontem, outro rascunho de carta
nunca finalizada nem remetida, o
pai da mecânica quântica nega
com veemência que Heisenberg
tenha insinuado algo sobre uma
espécie de acordo de cavalheiros.
"Eu fixei cuidadosamente em
minha mente cada palavra que foi
pronunciada. Tinha de provocar
uma forte impressão em mim que
logo de cara você tenha afirmado
sentir-se certo de que a guerra, se
durasse o bastante, seria decidida
com armas atômicas", escreveu
Bohr. "É portanto bem incompreensível para mim que você
possa pensar que tenha sugerido a
mim que os físicos alemães fariam
tudo que lhes fosse possível para
impedir uma tal aplicação da
ciência atômica."
Segundo o físico e historiador
da ciência Gerald Holton, professor emérito da Universidade Harvard (EUA), a sucessão de rascunhos e cartas nunca postadas reflete duas peculiaridades de Bohr:
a permanente insatisfação com a
expressão verbal de suas idéias e o
hábito de ditá-las (a letra do rascunho reproduzido à direita é de
Aage Petersen, um assistente).
Holton foi provavelmente a primeira pessoa fora da família Bohr
a ver o agora famoso rascunho,
ainda em 1985, a pedido de Erik
Bohr, filho do físico. Ele queria saber o que fazer do documento, se
deveria destruí-lo. Holton diz ter
recomendado manter o documento em arquivo.
Amizade destruída
Holton diz que Erik Bohr não
lhe pediu sigilo de imediato, o que
a família decidiu fazer em seguida, determinando que esses e outros papéis fossem divulgados somente depois de 2012 (decisão alterada pela liberação de ontem).
Diante do perfeccionismo de
Niels Bohr e do que vivenciou em
vários contatos com o dinamarquês em Harvard, Holton afirma
não ter dúvidas de que a versão de
Bohr é a correta. "É óbvio que se
deve confiar na reconstituição de
Bohr. É absolutamente confiável", disse, por telefone, à Folha.
O físico e historiador declara
desconhecer as razões da família
para manter sigilo sobre os documentos, mas diz ter sua própria
hipótese -que serve também para explicar tantas versões de cartas nunca enviadas: os termos seriam incomumente fortes para o
temperamento de Bohr, muito
gentil. "[Trata-se de" algo que não
mudou o mundo, mas que destruiu a amizade entre os dois",
afirma Holton.
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