São Paulo, domingo, 07 de fevereiro de 2010

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Seis graus de separação

Livro elucida as propriedades das redes que unem atores de Hollywood, sites da web, epidemias e proteínas

REINALDO JOSÉ LOPES
DA REPORTAGEM LOCAL

Entre a multidão de inutilidades divertidas que a internet oferece, uma das mais tradicionais é o Oráculo de Bacon (oracleofbacon.org), um jeito de calcular a distância média entre quaisquer atores de Hollywood, inspirado na lenda urbana de que Kevin Bacon seria o astro mais conectado do cinema americano. Criou-se até o conceito de "número de Bacon". Val Kilmer, por exemplo, tem um número de Bacon igual a 2, já que atuou com Tom Cruise em "Top Gun", e Cruise, por sua vez, já fez filmes com Bacon. Mais significativo, porém, é o fato de até o genial matemático húngaro Paul Erdós (1913-1996) ter número de Bacon 4, por causa de um documentário sobre sua vida.
Erdós, como explica seu conterrâneo Albert-László Barabási no livro "Linked", pode ser considerado o fundador da análise científica das redes sociais, o mesmo campo que inspirou a brincadeira do Oráculo de Bacon. Embora lançada com atraso no Brasil (o original de "Linked" chegou ao público de língua inglesa em 2002), a obra ainda é uma introdução valiosa às estranhas propriedades compartilhadas por fenômenos díspares do mundo humano e natural, como o conjunto de atores de Hollywood, os sítios da internet, epidemias virais e proteínas de uma célula.

Sem escala
Todos esses conjuntos de interações podem ser classificados debaixo da rubrica de redes sem escala, propõe Barabási, hoje diretor do Centro de Ciência de Redes da Universidade Northeastern (EUA). Para o físico de origem húngara, formar redes sem escala é uma espécie de compulsão do Universo quando se trata de organizar sistemas complexos.
O conceito se inspira, em parte, na divertida ideia dos "seis graus de separação", a qual postula que, em média, qualquer pessoa do planeta está em contato com qualquer outra com a ajuda de seis intermediários. (Na verdade, o experimento original dos seis graus, bolado por Stanley Milgram nos anos 1960, foi feito só dentro do território dos EUA.)
Redes sem escala, portanto, são "mundos pequenos": a conexão entre cada um de seus elementos é relativamente estreita (a distância média entre proteínas que participam do metabolismo da célula é de apenas três graus, enquanto a que separava sites da internet no fim dos anos 1990 era de 19 graus, muito menos do que o esperado se as conexões acontecessem de forma aleatória).
Mais importante ainda é a característica que as torna "sem escala". Muitos elementos da natureza (como a variação de altura entre seres humanos, por exemplo), seguem a chamada distribuição normal, formando uma curva em forma de sino, se forem representados num gráfico. O motivo disso é simples: a maioria das pessoas tem estatura média, enquanto só uns poucos indivíduos são gigantes do basquete ou anões.
Já as redes sem escala apresentam uma distribuição de lei de potência: um número bem pequeno de seus elementos são altamente conectados, formando os chamados "hubs", enquanto a grande maioria tem uma quantidade modesta de conexões. Como não existe um único elemento que seja representativo das conexões de todos os outros elementos, essa rede não tem uma escala típica de conectividade -daí o termo "sem escala". Barabási e seus colegas foram os primeiros a aplicar o conceito à internet e aos sistemas biológicos, entre outros fenômenos. E, quando se olha todos esses sistemas em busca de propriedades gerais, sua natureza sem escala fica patente, afirma ele.

Na jugular
As características intrínsecas das redes sem escala estão diretamente ligadas tanto à força quanto à fraqueza delas, aposta Barabási. Justamente por causa da importância dos "hubs" é tremendamente difícil atacar o funcionamento global da internet derrubando roteadores um a um, ao acaso. Por outro lado, ataques cirúrgicos a um número relativamente pequeno de "hubs" seriam suficientes para causar muito estrago.
Da mesma maneira, doenças sexualmente transmissíveis, como a Aids, talvez dependam de relativamente poucos indivíduos de libido exacerbada e sex appeal idem para avançarem de forma sustentada numa população. Identificar esses indivíduos e vaciná-los seria, dessa forma, o caminho mais curto para matar uma epidemia em seu nascedouro.
Esses exemplos, embora intrigantes, deixam certa sensação de "quero mais" na cabeça do leitor, talvez porque ainda falte muito para o entendimento completo das redes sem escala, um programa de pesquisa que segue a todo vapor. De qualquer forma, já é um caminho que leva os viajantes bem além de Kevin Bacon.

LIVRO - "Linked - A Nova Ciência dos Networks"
de Albert-László Barabási
Leopardo, 256 págs., R$ 49,00



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