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MICRO/MACRO
Cordas cósmicas e outros objetos não-identificados
MARCELO GLEISER
especial para a Folha
Gostaria de começar definindo
uma nova sigla: OCNI, Objeto
Cósmico Não-identificado. Essa
sigla será usada para descrever
qualquer objeto cuja existência
foi prevista por uma teoria cósmica (cosmologia ou astrofísica), mas cuja detecção definitiva, até o momento, nos iludiu.
A imaginação do cientista caminha mais rapidamente do que
a tecnologia. Mesmo que, no decorrer da história da ciência,
muitas descobertas tenham
ocorrido devido a novas tecnologias (o telescópio e o microscópio são dois exemplos ilustres), várias outras foram produtos de teorias e especulações
muitas vezes consideradas exóticas demais para serem verdade.
Os céus estão povoados pelos
mais exóticos objetos, cuja existência foi prevista por teorias,
antes deles serem observados.
Astrofísicos previram a existência dos cadáveres estelares, conhecidos como anãs brancas, estrelas de nêutrons (ou pulsares)
e buracos negros, bem antes de
sua descoberta por meio de observações astronômicas. Esses
objetos marcam os destinos possíveis de uma estrela, o estado de
repouso final (em geral nada
tranquilo) após ela ter queimado
grande parte de sua matéria lutando contra sua própria implosão devido à força da gravidade.
Juntamente com esses cadáveres astrofísicos, vários outros
objetos cósmicos, apesar de previstos por teorias, ainda não foram observados Äos OCNIs.
Sua existência permanece um
mistério, certamente uma fonte
de ansiedade para seus criadores. Um exemplo interessante é o
das cordas cósmicas, tubos extremamente finos e longos, resultantes de processos que possivelmente ocorreram durante a
mais tenra infância do Universo.
As cordas cósmicas foram propostas em 1976 pelo físico inglês
Tom Kibble, como produto de
uma ruptura nas propriedades
das forças que descrevem o comportamento das partículas de
matéria em energias muito altas.
Segundo a teoria, o mundo das
partículas é dividido em dois níveis. Em energias muito altas, as
forças se comportam do mesmo
modo, sendo unificadas. Em
energias mais baixas (o nível em
que nós vivemos), elas são diferentes. Essas forças (ou melhor,
interações) incluem o eletromagnetismo e duas forças que só
ocorreram em distância nuclear,
a força forte e a força fraca.
As cordas cósmicas são fósseis
dessa ruptura entre as interações, seu interior mantendo a
descrição unificada das forças.
Caso pudéssemos examiná-las,
veríamos uma realidade completamente diferente da nossa, em
que as três forças entre as partículas (a exceção é a gravidade) se
comportam como uma. Cada
centímetro de corda pesaria na
Terra milhões de vezes mais do
que o monte Everest, embora
seu diâmetro fosse menor do
que um núcleo atômico! Sem
dúvida, são objetos exóticos.
A descoberta de uma corda
cósmica teria profundas repercussões na nossa compreensão
do cosmos. Caso existam, elas
teriam sido formadas na infância
do Universo, oferecendo confirmação não só do Big Bang logo
após o "bang", mas também de
nossa compreensão da física de
partículas em energias que provavelmente jamais poderão ser
testadas em laboratórios da Terra. Hoje, atingimos energias milhares de bilhões de vezes menores do que as responsáveis (talvez) pela fabricação desses objetos. O cosmos se torna laboratório das menores estruturas que
podemos imaginar. Como todo
bom OCNI, algumas "observações" causaram enorme sensação antes de serem descartadas.
As cordas cósmicas podem explicar a rica estrutura observada
na distribuição de galáxias no
Universo; com sua incrível densidade e comprimentos astronômicos, elas atrairiam grandes
quantidades de matéria, que se
agregariam ao seu redor. Até o
momento, nada de cordas cósmicas. Uma avalanche de observações recentes parece negar a
existência desses objetos. Assim
caminha a ciência; certas idéias,
mesmo que atraentes, têm de ser
abandonadas. Mas a esperança é
a última que morre, certo?
Marcelo Gleiser é professor de física teórica
do Dartmouth College, em Hanover (EUA), e
autor do livro "A Dança do Universo".
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