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Biólogo vê origem do autismo em célula
Brasileiro trabalhando nos EUA afirma que doença pode surgir de alteração no formato dos neurônios já no embrião
Alysson Muotri e seu grupo
usaram reprogramação de
células adultas de crianças
autistas para estudar o mal,
cuja base genética é obscura
RAFAEL GARCIA
ENVIADO ESPECIAL A SAN DIEGO
Um experimento com cultura de células está mostrando
como alterações genéticas em
neurônios podem levar alguém
a adquirir autismo.
Um grupo da UCSD (Universidade da Califórnia em San
Diego) extraiu tecido da pele de
crianças portadoras desse
transtorno e conseguiu convertê-lo em neurônios, para simular o desenvolvimento embrionário do cérebro. Ao compará-las com outras feitas a partir de
crianças normais, os biólogos
viram que algo estava errado.
Como o autismo é uma doença que se nota tarde no desenvolvimento de um bebê, em geral a partir de um ano, poucos
cientistas esperariam ver problemas em neurônios de estágios iniciais. Mas o biólogo brasileiro Alysson Muotri acaba de
testemunhar isso na UCSD, onde, aos 36 anos, dirige um laboratório de ponta em sua área de
pesquisa.
"Começamos a perceber que
o tamanho do neurônio perto
do núcleo é menor, e também
que a ramificação de terminais
que existe em neurônios normais não existe no caso dos autistas", disse o cientista à Folha. "É uma coisa morfológica."
Como nem sempre o autismo
tem uma relação clara com histórico familiar, os cientistas
têm tido dificuldade para achar
genes determinando propensão forte à doença. Muitos casos são "esporádicos" e não está
claro ainda quais trechos do
DNA são realmente importantes na geração da moléstia.
Mesmo não dispondo dessa
informação, porém, o grupo de
Muotri conseguiu demonstrar
o forte lado genético da doença.
Células reprogramadas
Em seu laboratório, Muotri
trabalha com as chamadas iPS
-as células-tronco de pluripotência induzida-, uma invenção recente na biologia experimental. Diante da dificuldades
técnicas e éticas de trabalhar
com células de embriões humanos, cientistas criaram uma
maneira artificial de reverter
células adultas ao estágio embrionário. É isso que Muotri faz
com material extraído da pele
de pessoas ou cobaias antes de
transformá-lo em neurônios.
O paulistano trabalhou inicialmente com células derivadas de crianças com síndrome
de Rett. A doença tem vários
sintomas, sendo o autismo um
deles. Esse transtorno foi escolhido porque tem uma causa
genética já conhecida, uma mutação no gene MECP2. Depois,
estendeu a pesquisa a outras
síndromes de caráter autista e,
por fim, usou células de crianças com autismo "esporádico",
sem origem genética clara.
Todas pareciam ter o mesmo
problema morfológico. "Isso
significa que o autismo começa
a se desenvolver já no embrião", diz Muotri, que à vezes
encontra dificuldades em convencer outros cientistas de sua
descoberta. "Já me perguntaram: "Como você pode afirmar
que uma doença é genética se
você não conhece o gene?"."
Genes saltadores
Uma mutação que afete o sistema nervoso, porém, não necessariamente afeta o aparelho
reprodutor de um indivíduo,
diz Muotri, por isso a doença
pode ter origem no DNA sem
ser estritamente hereditária. E
o cérebro, nos humanos, está
particularmente sujeito à ação
dos chamados transpósons
-genes que "saltam" de uma
célula a outra, criando diversidade genética entre neurônios.
Como a ação dos transpósons
é influenciada pelo ambiente,
há um indício a mais de que ela
pode ter relação com o autismo,
também ligado a fatores ambientais e de desenvolvimento.
Como esse campo de pesquisa, além de levantar controvérsia, é ultraconcorrido, Muotri
diz que tem procurado replicar
seus experimentos o máximo
que pode para dar credibilidade
aos resultados. Por isso, nenhum estudo sobre as células
iPS com DNA de crianças autistas foi publicado ainda em um
periódico científico auditado.
Agora, além de produzir células em cultura para observação, o laboratório do cientista
está produzindo "circuitos
neurais". Emendando células
em série, Muotri e seus colegas
tentam verificar como neurônios derivados de crianças autistas se comportam quando
estão interligados em rede.
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