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São Paulo, segunda-feira, 07 de abril de 2003

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CONSERVAÇÃO

População de chimpanzés e gorilas na África Ocidental caiu pela metade em menos de 20 anos, afirma estudo

Caça e Ebola põem grandes macacos perto da extinção

REINALDO JOSÉ LOPES
FREE-LANCE PARA A FOLHA

A caça indiscriminada e uma doença devastadora reduziram pela metade a população dos grandes macacos (gorilas e chimpanzés) na África Ocidental em menos de 20 anos. A situação é tão grave, de acordo com uma equipe internacional de pesquisadores, que bastará uma geração humana para que ambas as espécies sejam eliminadas.
A pior constatação dos pesquisadores talvez seja a de que os animais estão sofrendo esse declínio bem no coração da área que costumava ser considerada um refúgio para ambas as espécies: estima-se que até 95% dos gorilas e mais da metade dos chimpanzés vivam na região.
Para a equipe, cujo trabalho foi publicado on-line ontem pela revista científica britânica "Nature" (www.nature.com), a mensagem é clara. "Se nós não agirmos energicamente, nossos filhos podem viver num mundo sem grandes macacos na natureza."
O trabalho dos cientistas, feito entre 1998 e 2002, consistiu num recenseamento dos ninhos feitos pelos grandes macacos no alto das árvores da floresta equatorial, que fornece uma idéia acurada da quantidade de animais em dada região. O estudo concentrou-se no Gabão, lar de 80% dos gorilas (Gorilla gorilla) e de boa parte dos chimpanzés (Pan troglodytes) do continente africano.
"Estamos bastante seguros da redução [57%" que verificamos de 1983 para cá", disse à Folha o ecologista Peter Walsh, da Universidade de Princeton, nos Estados Unidos. "Talvez haja uma margem de erro de 10%, mas certamente não mais que isso", diz Walsh, que coordenou o estudo.
"A situação deve ser ainda pior nos outros países da África Ocidental, como Congo e Camarões, porque o Gabão é o que oferece as melhores condições. Tem a maior cobertura florestal, as menores densidades populacionais e o governo mais estável", afirma.
Todos esses fatores fazem parte do coquetel explosivo que ameaça os parentes mais próximos do Homo sapiens, separados da humanidade por não mais que 10 milhões de anos de evolução.
O avanço de centros populacionais para o interior da floresta, impulsionado pelo desmatamento, destrói os lares naturais dos bichos, enquanto a fome nos pequenos vilarejos torna sua carne uma alternativa atraente -ela custa um terço do valor da carne de frango ou boi nessas áreas, calculam os pesquisadores.
Carcaças de gorilas e chimpanzés também tem aparecido mortas pela região sem sinal da ação de caçadores. É que, nesse caso, o assassino é bem mais sinistro: surtos do vírus Ebola estão matando os animais com a mesma facilidade com que atingem a população humana de tempos em tempos. O vírus causa fortes hemorragias internas e externas e não tem cura nem vacina.

Problema generalizado
Walsh diz ter razões para acreditar que a situação dos grandes macacos não esteja melhor na África Oriental. "Tivemos guerras civis na República Democrática do Congo [ex-Zaire" e em Ruanda que só pioraram o quadro", afirma. "É difícil dizer quantos grandes macacos sobraram, mas certamente não há mais de 100 mil gorilas, e eu me surpreenderia se houvesse mais de 200 mil chimpanzés", diz o ecologista.
Os cientistas propõem uma série de ações emergenciais: para começar, fazer com que as duas espécies ganhem o status de "criticamente ameaçadas" (hoje, pelos critérios internacionais, elas são consideradas "ameaçadas").
"Temos de entender melhor o que está acontecendo e, ao mesmo tempo, tentar estratégias práticas", diz Walsh. "Há vacinas contra o Ebola sendo testadas em outras espécies de primata, e elas podem chegar aos grandes macacos em um ou dois anos. Parece que os rios atuam como barreiras à dispersão dos grupos, e talvez possamos usar isso para impedir a disseminação da doença."
A outra medida considerada indispensável -aumentar a proteção aos bichos- precisará de ajuda externa, e rápido, avalia o ecologista. "No curto prazo, as ONGs [organizações não-governamentais" terão de transferir dinheiro para ajudar os governos africanos, que simplesmente não têm como lidar com esse problema sozinhos agora", diz Walsh.
De uma coisa a equipe parece estar certa: a humanidade não pode se dar ao luxo de perder chimpanzés e gorilas. "Você não precisa pensar em parentesco evolutivo para achar isso", diz Walsh. "De qualquer maneira, os grandes macacos são a coisa mais parecida conosco na natureza. Além disso, a presença do Ebola nessas populações e a transmissão da doença para seres humanos significa que nós precisamos estudar esses animais para entender como o vírus age na natureza." Para os dois lados, a questão é de sobrevivência.


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