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CONSERVAÇÃO
População de chimpanzés e gorilas na África Ocidental caiu pela metade em menos de 20 anos, afirma estudo
Caça e Ebola põem grandes macacos perto da extinção
REINALDO JOSÉ LOPES
FREE-LANCE PARA A FOLHA
A caça indiscriminada e uma
doença devastadora reduziram
pela metade a população dos
grandes macacos (gorilas e chimpanzés) na África Ocidental em
menos de 20 anos. A situação é
tão grave, de acordo com uma
equipe internacional de pesquisadores, que bastará uma geração
humana para que ambas as espécies sejam eliminadas.
A pior constatação dos pesquisadores talvez seja a de que os animais estão sofrendo esse declínio
bem no coração da área que costumava ser considerada um refúgio para ambas as espécies: estima-se que até 95% dos gorilas e
mais da metade dos chimpanzés
vivam na região.
Para a equipe, cujo trabalho foi
publicado on-line ontem pela revista científica britânica "Nature"
(www.nature.com), a mensagem
é clara. "Se nós não agirmos energicamente, nossos filhos podem
viver num mundo sem grandes
macacos na natureza."
O trabalho dos cientistas, feito
entre 1998 e 2002, consistiu num
recenseamento dos ninhos feitos
pelos grandes macacos no alto
das árvores da floresta equatorial,
que fornece uma idéia acurada da
quantidade de animais em dada
região. O estudo concentrou-se
no Gabão, lar de 80% dos gorilas
(Gorilla gorilla) e de boa parte dos
chimpanzés (Pan troglodytes) do
continente africano.
"Estamos bastante seguros da
redução [57%" que verificamos
de 1983 para cá", disse à Folha o
ecologista Peter Walsh, da Universidade de Princeton, nos Estados Unidos. "Talvez haja uma
margem de erro de 10%, mas certamente não mais que isso", diz
Walsh, que coordenou o estudo.
"A situação deve ser ainda pior
nos outros países da África Ocidental, como Congo e Camarões,
porque o Gabão é o que oferece as
melhores condições. Tem a maior
cobertura florestal, as menores
densidades populacionais e o governo mais estável", afirma.
Todos esses fatores fazem parte
do coquetel explosivo que ameaça
os parentes mais próximos do
Homo sapiens, separados da humanidade por não mais que 10
milhões de anos de evolução.
O avanço de centros populacionais para o interior da floresta,
impulsionado pelo desmatamento, destrói os lares naturais dos bichos, enquanto a fome nos pequenos vilarejos torna sua carne
uma alternativa atraente -ela
custa um terço do valor da carne
de frango ou boi nessas áreas, calculam os pesquisadores.
Carcaças de gorilas e chimpanzés também tem aparecido mortas pela região sem sinal da ação
de caçadores. É que, nesse caso, o
assassino é bem mais sinistro:
surtos do vírus Ebola estão matando os animais com a mesma
facilidade com que atingem a população humana de tempos em
tempos. O vírus causa fortes hemorragias internas e externas e
não tem cura nem vacina.
Problema generalizado
Walsh diz ter razões para acreditar que a situação dos grandes
macacos não esteja melhor na
África Oriental. "Tivemos guerras
civis na República Democrática
do Congo [ex-Zaire" e em Ruanda
que só pioraram o quadro", afirma. "É difícil dizer quantos grandes macacos sobraram, mas certamente não há mais de 100 mil
gorilas, e eu me surpreenderia se
houvesse mais de 200 mil chimpanzés", diz o ecologista.
Os cientistas propõem uma série de ações emergenciais: para
começar, fazer com que as duas
espécies ganhem o status de "criticamente ameaçadas" (hoje, pelos critérios internacionais, elas
são consideradas "ameaçadas").
"Temos de entender melhor o
que está acontecendo e, ao mesmo tempo, tentar estratégias práticas", diz Walsh. "Há vacinas
contra o Ebola sendo testadas em
outras espécies de primata, e elas
podem chegar aos grandes macacos em um ou dois anos. Parece
que os rios atuam como barreiras
à dispersão dos grupos, e talvez
possamos usar isso para impedir
a disseminação da doença."
A outra medida considerada indispensável -aumentar a proteção aos bichos- precisará de ajuda externa, e rápido, avalia o ecologista. "No curto prazo, as ONGs
[organizações não-governamentais" terão de transferir dinheiro
para ajudar os governos africanos, que simplesmente não têm
como lidar com esse problema sozinhos agora", diz Walsh.
De uma coisa a equipe parece
estar certa: a humanidade não pode se dar ao luxo de perder chimpanzés e gorilas. "Você não precisa pensar em parentesco evolutivo para achar isso", diz Walsh.
"De qualquer maneira, os grandes
macacos são a coisa mais parecida
conosco na natureza. Além disso,
a presença do Ebola nessas populações e a transmissão da doença
para seres humanos significa que
nós precisamos estudar esses animais para entender como o vírus
age na natureza." Para os dois lados, a questão é de sobrevivência.
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