|
Próximo Texto | Índice
GEOCIÊNCIAS
Resultado de mais de uma década de estudo sobre interações do planeta com a biosfera estará disponível em 2003
Programa decifra engrenagens da Terra
RICARDO BONALUME NETO
ENVIADO ESPECIAL AO RIO
Os seres vivos não apenas habitam a Terra, mas ajudam a controlar a maneira como o próprio
planeta funciona. Um resumo de
mais de uma década de pesquisa
sobre como isso acontece está
sendo feito por uma equipe internacional de cientistas e deverá estar disponível no ano que vem.
"A Terra é um sistema que a
própria vida ajuda a controlar",
diz o pesquisador Will Steffen, diretor-executivo do Programa Internacional Geosfera-Biosfera,
iniciativa estabelecida em 1986
pelo ICSU (Conselho Internacional para a Ciência), entidade que
reúne as associações científicas
mundiais -como as academias
nacionais de ciência.
Isso significa que a Terra é um
sistema caracterizado por interações complexas entre sua parte
inanimada -a "geosfera" dos
ventos, terremotos e correntes
oceânicas- e os diversos seres vivos que integram a "biosfera".
Como idéia, não é propriamente uma novidade. Já no final dos
anos 60 do século 20 havia sido
formulada a "hipótese Gaia" pelo
especialista em atmosfera britânico James Lovelock e pela microbiologista norte-americana Lynn
Margulis. Mas a idéia de que a
Terra era algo vivo foi considerada por muitos como uma forma
romântica e pouco científica de
ambientalismo.
Sem conhecer o funcionamento
da Terra, é impossível saber como
se dará a mudança global pela
qual o planeta está passando, por
exemplo por meio do aquecimento gradual provocado pela maior
emissões de gases como o dióxido
de carbono, ou CO2.
Faltavam dados experimentais
para mostrar a íntima relação
geosfera-biosfera, e por isso foi
criado o IGBP. Na última assembléia geral do ICSU, que aconteceu no final de setembro no Rio
de Janeiro, foram dados vários
exemplos dessa relação.
Alguns dos casos citados são
preocupantes, pois mostram como a mudança pode ocorrer de
modo abrupto e perigoso, apesar
de as causas se produzirem de
modo gradual. O exemplo clássico foi a rápida transformação do
norte da África em um deserto.
Segundo Steffen, houve uma
mudança na radiação solar que
chegava à Terra que aconteceu
aos poucos. Mas, alcançado um
dado limite, isso passou a ter um
impacto forte no regime de chuvas. E, quando a quantidade de
água caiu para um determinado
ponto, a vegetação também respondeu abruptamente -a mesma diferença entre morrer de sede e sobreviver. O resultado foi a
criação, há alguns poucos milhares de anos, do deserto do Saara.
"A dinâmica da Terra é caracterizada por limiares críticos e mudanças abruptas. Atividades humanas podem inadvertidamente
disparar mudanças com consequências trágicas para o Sistema
Terra",diz Steffen.
Um resultado particularmente
inesperado foi descobrir a relação
entre a absorção de carbono pelo
oceano, a poeira do deserto de
Kalahari (sul da África) e a poluição das indústrias sul-africanas.
Descobriu-se que em uma larga
área do oceano Índico os microrganismos vegetais (o fitoplâncton) absorviam o CO2 em grande
quantidade, e essa atividade foi
correlacionada com a poeira que
chegava ao mar trazendo ferro,
um nutriente importante para as
algas. "Processos biológicos são
mais importantes do que pensávamos", diz Steffen.
O papel coordenador do IGBP
foi importante para a descoberta,
pois os cientistas envolvidos -os
que estudam a atmosfera e os que
analisam o oceano- não conheciam os trabalhos uns dos outros.
Outras áreas do oceano, como
os mares tropicais, fazem o oposto -soltam gases para a atmosfera, como um copo de refrigerante.
Entender o papel dos mares na
troca de gases é essencial para
desvendar o clima futuro.
Novas técnicas de pesquisa permitiram acompanhar a trajetória
dos gases e aerossóis (partículas
sólidas), por exemplo mostrando
que a fumaça das queimadas na
Indochina afeta a poluição até
mesmo em Los Angeles, na Costa
Oeste dos EUA.
"Mudanças no uso da terra afetam a circulação de ar. Estudos regionais são importantes, pois o
impacto também é global", diz
ele, que exemplifica com um estudo realizado no Brasil por centenas de pesquisadores, o Experimento de Grande Escala da Biosfera-Atmosfera na Amazônia
-conhecido pela sigla LBA.
O LBA procurou entender como a mudança do uso da terra está afetando a biologia e a físico-química da Amazônia, incluindo
a sustentabilidade do sistema e
sua influência no clima global.
Para Steffen, o LBA é um exemplo de como projetos internacionais e multidisciplinares devem
ser regidos e também está servindo de modelo para programas semelhantes que o ICSU e o IGBP
(www.igbp.net) pretendem coordenar em outras áreas do planeta,
por exemplo para estudo das
monções asiáticas.
Próximo Texto: Panorâmica - Bioterrorismo: Empresas tentam criar vacina contra antraz Índice
|