São Paulo, quinta-feira, 07 de outubro de 2004

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QUÍMICA

Pesquisadores de Israel e dos EUA explicaram como a célula marca para morrer proteínas que devem ser descartadas

Controle de qualidade celular leva Nobel

Reuters/Scanpix
Avram Hershko (esq.) e Aaron Ciechanover, no Technion (Israel)


CRISTINA AMORIM
FREE-LANCE PARA A FOLHA

Três cientistas que desvendaram o mecanismo de controle de qualidade das células ganharam ontem o Prêmio Nobel de Química. Aaron Ciechanover, 57, e Avram Hershko, 67, de Israel, e Irwin Rose, 78, dos EUA, dividem 10 milhões de coroas suecas (US$ 1,3 milhão) por terem descrito uma molécula que marca para morrer as proteínas que devem ser degradadas no organismo.
Essa é a primeira vez que Israel recebe um Nobel em ciências -o país já levou os prêmios da Paz e de Literatura. Os dois pesquisadores aproveitaram a oportunidade para criticar a falta de recursos para a educação superior em seu país. "A capacidade mental é nosso melhor recurso natural e nossa maior esperança de exportação", disse Ciechanover.
Rose se reúne aos outros cinco americanos que monopolizaram neste ano os prêmios de Medicina ou Fisiologia e de Física.
A pesquisa premiada foi conduzida entre as décadas de 1970 e 1980, quando Ciechanover e seu orientador, Hershko, passaram um tempo no laboratório de Rose, então na Filadélfia. Atualmente, o americano está ligado à UCI (Universidade da Califórnia em Irvine), enquanto os visitantes trabalham no Technion (Instituto de Tecnologia de Israel).
O mecanismo decifrado por eles e divulgado em uma série de artigos publicados na época é parte essencial de outros processos como a divisão celular, a reparação do DNA e a resposta imunológica do corpo.
"O tempo inteiro estamos trocando proteínas. Nós as sintetizamos e destruímos", disse Ciechanover. "Algumas das proteínas ficam corrompidas. Descobrimos o processo pelo qual o corpo exerce esse controle de qualidade."
Eles desvendaram como ocorre a quebra de determinadas proteínas, e não de outras, numa espécie de faxina organizada. O mecanismo começa com a identificação das proteínas que devem ser condenadas à morte por apresentarem algum defeito ou simplesmente porque a célula precisa diminuir de tamanho.
Os alvos são então marcados com um tipo de "etiqueta", a molécula ubiquitina. Ela diz qual proteína vai para o corredor da morte -no caso da célula, representado por uma estrutura chamada proteassoma- e qual continua viva para contar a história.
"Antes, acreditava-se que as proteínas desapareciam de forma inespecífica", explica Anselmo Moriscot, do departamento de biologia celular da USP (Universidade de São Paulo). "Agora sabemos que existem sistemas celulares desenhados para destruir as proteínas de forma controlada."
Se o mecanismo apresenta falhas, ele pode levar a erros na replicação celular, por exemplo, e gerar doenças como câncer.
Por isso, o completo entendimento desse ciclo é encarado como um caminho para o desenvolvimento de drogas efetivas contra doenças degenerativas. Pelo menos um medicamento já foi gerado com base nele, por uma empresa dos EUA, e é aplicado no tratamento de câncer ósseo.
Ciechanover disse à agência de notícias Reuters que a indústria farmacêutica usa a pesquisa para buscar "numerosos medicamentos" para doenças degenerativas.
"É a ponta do iceberg em termos de farmacêutica", disse. Hershko é mais cuidadoso: "Isso não significa que um remédio miraculoso esteja a caminho. Mas acredito que haverá avanços baseados em nosso trabalho". O próprio Hershko, nascido na Hungria, tenta atualmente entender como a ubiquitina age nos processos que levam ao surgimento de tumores.

Com agências internacionais


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