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ARQUEOLOGIA
Fóssil de 12.700 anos é contemporâneo ao da brasileira Luzia e sugere mais de uma migração para o continente
Crânio tumultua povoamento da América
DA REDAÇÃO
Um crânio que passou um século literalmente engavetado
num museu do México pode ser a
mais nova pimenta na salada do
povoamento original das Américas. Com 12.700 anos de idade, ele
está entre os mais antigos do continente. E não se parece com nenhum grupo indígena atual.
Os restos fossilizados da chamada mulher de Peñon 3 foram descobertos há mais de cem anos nos
arredores da Cidade do México.
Mas sua datação só foi publicada
agora, numa comunicação breve
na última edição da revista
"Mammoth Trumpet", juntamente com dados de três outros
esqueletos antigos.
O esqueleto mexicano foi tratado pela imprensa internacional
como o vestígio humano mais velho da América. Quase. O crânio
de Luzia, mulher encontrada em
uma gruta de Lagoa Santa, em
Minas Gerais, continua no pódio
-sua idade está entre 11 mil e
11.500 anos. "São estatisticamente
contemporâneos", disse o arqueólogo Astolfo de Mello Araújo, do Instituto de Biociências da
Universidade de São Paulo.
O motivo da confusão são as cifras diferentes que os arqueólogos
usam para informar a idade de
um fóssil. Dependendo de como
se fala, a mulher de Peñon 3 pode
ter 10.700 ou 12.700 anos. Foi esta
última idade a que acabou indo
parar nos noticiários.
Datações de material orgânico
arqueológico são feitas pelo chamado método do radiocarbono.
Ele consiste em medir a proporção entre dois tipos diferentes de
carbono acumulados nos seres vivos -o carbono-12 e seu primo
radioativo, o carbono-14.
O carbono-14 ocorre naturalmente na atmosfera e é absorvido
pelos seres vivos. Quando um organismo morre, pára de absorver
o átomo radioativo. Como o carbono-14 é instável, ele tende a decair, ou se transformar em outro
elemento (no caso, nitrogênio).
Como se sabe que a cada 5.700
anos a quantidade de carbono-14
cai pela metade, é possível medir a
idade contando a quantidade do
elemento radioativo que sobrou
na amostra de material orgânico.
Acontece que a quantidade de
carbono radioativo na atmosfera
não é constante ao longo do tempo. Por isso, sempre que um fóssil
é datado por esse método, os arqueólogos precisam calibrar a datação -ou seja, adequá-la a essa
variação no carbono-14. A idade
calibrada, que informa realmente
há quanto tempo um organismo
viveu, costuma ser mais antiga
que a datação absoluta. No caso
da mulher de Peñon 3, 12.700
anos. No caso de Luzia, 13.155.
Companheira Luzia
Araújo se disse contente com a
análise da mulher de Peñon 3.
"Vai ajudar a eliminar a impressão de que Luzia é um fóssil fora
do padrão", afirmou.
Por ser muito antiga, Luzia tem
sido criticada por vários arqueólogos, sobretudo os norte-americanos, que a consideram um esqueleto "aberrante". O fóssil humano mais velho da América do
Norte não chegava a 10 mil anos.
Outro motivo de pedradas sobre o fóssil brasileiro é o fato de
Luzia ser mais parecida com os
aborígenes australianos que com
os índios atuais, o que sugere que
os primeiros povoadores da América tenham sido bem diferentes
-e extintos em alguma época.
E é justamente nas aparências
que a mulher pré-histórica do
México surpreende: segundo a
antropóloga Silvia González, da
Liverpool John Moores University, principal autora da análise, o
crânio de Peñon 3 não se parece
nem com Luzia, nem com os nativos americanos. Ele é dolicocéfalo, uma expressão que em "anatomês" significa alto e largo.
Os índios atuais são braquiocéfalos, ou seja, têm crânio arredondado. "Parece que houve duas ondas migratórias, com os dolicocéfalos chegando antes e se extinguindo", disse a pesquisadora.
"Existe outro crânio no México
com 12.200 anos (calibrados) com
características similares." Para
ela, isso pode sugerir que os imigrantes originais vieram do Japão.
O antropólogo Walter Neves,
também da USP, que datou Luzia,
desconfia da análise de formato
de crânio da equipe de González.
"Analisei quatro esqueletos antigos do México e todos eles se pareciam com Luzia", afirmou. A
cientista mexicana, agora, aposta
na análise de DNA dos fósseis para tirar a teima.
(CLAUDIO ANGELO)
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