|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
+ ciência
Livro do americano Robert Wright desafia biólogos e antropólogos
ao afirmar que a evolução tem um sentido
Para o alto e avante
Reuters
![](../images/d0804012001.jpg) |
Segundo Wright, sociedades tribais como os dani, da Indonésia, tendem a evoluir para o Estado |
Claudio Angelo
da Reportagem Local
Quando inventaram a teoria dos
jogos, no início da década de
40, os cientistas norte-americanos John von Neumann e Oskar Morgenstern só estavam pensando
em usar a matemática para resolver problemas teóricos em economia. Jamais
imaginariam que alguém fosse usar sua
criação para explicar o sentido da vida.
Mas é exatamente isso que se propõe a
fazer o ensaísta e divulgador científico
americano Robert Wright em "Não Zero
- A Lógica do Destino Humano" (Ed.
Campus, Rio de Janeiro). Aplicando a
teoria dos jogos às idéias de Charles Darwin, Wright tenta demonstrar que tanto
a evolução biológica quanto a da cultura
humana são produtos de uma mesma
força, que lhes dá uma direção certa.
Cooperação na cadeia
A obra parte de um experimento mental clássico da
teoria dos jogos, o chamado dilema do
prisioneiro. Nesse jogo imaginário, dois
comparsas condenados por um crime
são deixados incomunicáveis e levados
separadamente a interrogatório. Se ambos cooperarem e confessarem o delito,
pegam um ano de prisão. Se um denunciar o outro, é solto imediatamente. Mas,
se o parceiro tiver feito a denúncia antes,
os dois pegam dez anos.
O dilema do prisioneiro é um típico jogo de soma não-zero. Ou seja, o resultado é ganha-ganha (soma positiva) ou
perde-perde (soma negativa). Diferente
de um jogo de tênis, por exemplo, em
que a vitória de um jogador representa,
necessariamente, a derrota do outro
(uma soma zero, portanto).
Para Wright, a história humana e a
evolução das espécies são um grande dilema do prisioneiro, onde pessoas, células e até cromossomos precisam cooperar para sobreviver.
Quanto maior a cooperação, maior a complexidade atingida por uma sociedade ou um sistema vivo. Quanto maior a complexidade, maior a necessidade de cooperação. E,
assim, surge uma progressão de somas não-zero (todo mundo
ganha ou todo mundo perde) que acaba
dando uma direção à história.
"Quando olhamos além da superfície
turbulenta dos acontecimentos humanos, além das idas e vindas de regimes
específicos, vemos uma seta começando
há dezenas de milhares de anos e continuando até o presente."
A tal seta teria sido disparada há quase
4 bilhões de anos, quando moléculas orgânicas competindo no ambiente hostil
da Terra primitiva se uniram para formar a primeira célula. A partir daí, como
consequência lógica de um jogo de soma
não-zero, o surgimento da vida inteligente era inevitável -ao contrário do
que pregam os modernos interpretadores de Darwin, como o paleontólogo Stephen Jay Gould, que afirma que a evolução é uma
"caminhada aleatória" e
que, se um asteróide caísse hoje na Terra, a probabilidade do surgimento de
vida inteligente seria muito pequena.
Ao analisar a história
humana, Wright, que se define como
"um evolucionista cultural radical", retoma as idéias um tanto fora de moda do
antropólogo norte-americano Lewis
Henry Morgan. Foi ele que, em 1877, dividiu os grupos humanos em "selvagens", "bárbaros" e "civilizados". Suas
teorias foram condenadas por gente como o também americano Franz Boas,
que achava que elas serviam de desculpa
para a eliminação dos "selvagens" pelos
"civilizados".
Wright vai dos índios norte-americanos até a Internet, passando por cacicados da Polinésia, chineses e astecas, para
argumentar que o impulso civilizatório é
irresistível. Grosso modo, o recado é:
junte um punhado de pessoas num ambiente adequado, deixe-as trocando
idéias por alguns milênios sobre como
resolver problemas práticos -como arranjar comida, por exemplo- e você terá na outra ponta ou um povo extinto ou
uma grande civilização.
A mágica está no trânsito de informação propiciado pela soma não-zero. Argumenta Wright que inovações como a
escrita e a agricultura foram criadas mais
de uma vez, em períodos diferentes e em
lugares isolados, como o Oriente Médio, a China e a Mesoamérica. Eram
inevitáveis porque eram boas idéias. E
aumentavam o "bem comum".
Sim, Wright acredita no "bem comum". Esse é o ponto: a soma não-zero
faz a seta da história apontar para a
prosperidade generalizada, para a paz
global e para o crescimento moral contínuo da espécie humana (não por acaso, seu último livro se chama "O Animal Moral") .
E mais: a humanidade, na era da informação, está à beira de uma "transformação decisiva". Pela primeira vez,
escreve, "a soma não-zero prospera na
Terra sem ter a soma zero como sua
fonte última". Ou seja, a cooperação
não existe mais para proteger o grupo
de algo externo, como a fome ou os inimigos, mas é quase um fim em si mesma.
Aldeia global
Guardando o melhor para o final, Wright aponta a globalização como responsável por essa
mudança. Afinal, ao instituir a interdependência global -vide a crise argentina-, ela está fazendo com que a soma
zero (escravidão, guerras, exploração de
todo tipo e problemas econômicos) deixe de ser um bom negócio.
Bom, devagar com o andor. O americano tem uma prosa inteligente e uma
argumentação instigante. Consegue defender teorias antropológicas tidas como
ultrapassadas sem parecer racista e atacar o "mainstream" das ciências biológicas sem parecer de todo ingênuo. Mas
exagerou na futurologia.
Escrevendo na próspera era Clinton,
anima-se: "Os países pobres vão se tornar cada vez mais ricos, fazendo da guerra uma perspectiva remota em uma parcela cada vez maior do planeta." Diga isso ao presidente George W. Bush, cuja
primeira medida depois da posse foi
bombardear o Iraque. Ou aos milhões de
africanos que morrerão de Aids antes de
poder usufruir da soma não-zero alheia.
Ao pregar a inexorabilidade da evolução,
Wright se esqueceu de um detalhe: algumas espécies são selecionadas. Outras se
extinguem.
Não Zero: A Lógica do
Destino Humano
416 págs. R$ 49.
De Robert Wright. Tradução de
Cristiana Serra.
Editora Campus.
Texto Anterior: + ciência: Newton por inteiro Próximo Texto: Micro/Macro - Marcelo Gleiser: Poeira das estrelas Índice
|