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São Paulo, terça-feira, 08 de abril de 2003

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AMAZÔNIA

Partículas de fuligem que ficam suspensas no ar filtram radiação do Sol e poderiam afetar chuvas e temperatura

Queimadas barram um quinto da luz solar

Divulgação Antônio Manzi/Inpe-CPTEC
Torre do projeto LBA, que pesquisa efeito das queimadas na Amazônia, em Ji-Paraná (Rondônia)


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A contribuição das queimadas da Amazônia para o aquecimento global vem acompanhada de outra ameaça ao clima da região: cientistas da USP mostraram que a fuligem das queimadas pode impedir que 20% da luz solar chegue à superfície, além de influir nas chuvas. O estudo foi divulgado pela revista "Pesquisa Fapesp" (revistapesquisa.fapesp.br).
O indesejável efeito de filtro solar é desempenhado pelos aerossóis, partículas de matéria orgânica carbonizada que ficam em suspensão a 3 km ou 4 km do solo.
Sob a ação desse manto de fuligem, a temperatura da Amazônia na época da seca (que vai de agosto a outubro e coincide com as queimadas) pode cair ligeiramente, mas o maior problema são as possíveis repercussões dos aerossóis na frequência e na intensidade das chuvas na região.
A tendência é que, com maior quantidade de partículas, menos nuvens se formem e menos chuva caia -uma suspeita que os cientistas ainda precisam confirmar, embora os indícios estejam cada vez mais fortes.
Os novos dados sobre o papel dos aerossóis das queimadas no clima amazônico vêm de um dos maiores experimentos científicos em curso no país, o LBA (sigla para Experimento de Grande Escala da Biosfera-Atmosfera na Amazônia). Dois pesquisadores da USP que participam do LBA, Paulo Artaxo, do IF (Instituto de Física), e Maria Assunção Faus da Silva Dias, do IAG (Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas), coordenam projetos que tentam entender como essas partículas podem afetar a chegada da luz solar à superfície e o clima.
No ano passado, Artaxo havia apresentado resultados preliminares que sugeriam uma redução de até 3C na temperatura da superfície por conta dos aerossóis, em medições feitas em Rondônia. Na verdade, a redução parece ser da ordem de 0,5C -isso porque as próprias partículas compensam parte do resfriamento.
O efeito de filtro da fuligem em suspensão consegue barrar, em média, 20% da luz solar nos meses de queimada. "Nas horas mais quentes do dia, quando o sol está mais forte, o valor pode chegar a 50%", conta Aline Sarmento Procópio, 30, doutoranda do IAG que trabalha na equipe de Artaxo.

Esquenta-esfria
Os aerossóis, compostos principalmente pelo chamado "black carbon" (carbono negro) ou carbono grafite, têm efeito duplo. Formando uma espécie de malha escura na baixa atmosfera, eles absorvem a luz solar e impedem que parte dela alcance as árvores e o solo da floresta.
Ao mesmo tempo, a absorção de luminosidade faz com que as partículas liberem radiação infravermelha -trocando em miúdos, calor, que é exportado para o ar acima da camada de aerossóis e também, com menor intensidade, para baixo. "O aerossol não esquenta, é o infravermelho que gera o aquecimento", diz Procópio.
É por isso que o balanço final do resfriamento fica menor, diz Carlos Nobre, do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais). "Isso não quer dizer que o possível efeito climático que eles observaram seja menor, porque a quantidade de radiação solar barrada é realmente grande", afirma.
Uma variável climática diretamente ligada ao excesso dos aerossóis é a chuva. É que eles funcionam como núcleos formadores de nuvens, em torno dos quais as gotas de água se condensam e finalmente voltam ao chão, na forma de chuva.
Acontece que, quanto mais aerossóis existem, mais núcleos competem por água. Isso faria com que nenhum deles conseguisse juntar água suficiente para formar uma nuvem digna do nome, capaz de produzir chuva.
"Ainda falta comprovar que os aerossóis estão tendo mesmo esse papel, e que o que está acontecendo não é a variabilidade natural do clima", diz Nobre. "Mas é importante chamar a atenção para isso e testar essas hipóteses."
Os aerossóis das queimadas também poderiam afetar a capacidade das plantas da floresta de usar a luz do Sol como fonte de energia -a chamada fotossíntese. "Alguém poderia dizer que as plantas normalmente já não conseguem absorver toda a luz que recebem", diz Nobre.
O tipo de radiação barrado pelas partículas é exatamente o usado pelas plantas no processo, diz o pesquisador -o que sugere que esse desequilíbrio pode estar ocorrendo.
(REINALDO JOSÉ LOPES)


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