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Sociólogo banca o físico e ilude cientistas
Ao ler questões respondidas por cientista social e por físico "real", pesquisadores não conseguem distinguir um do outro
"Impostura" de pesquisador
britânico sugere que leigos
podem adquirir conceitos da
ciência com profundidade
similar à de especialistas
REINALDO JOSÉ LOPES
DA REPORTAGEM LOCAL
Harry Collins jamais conseguiria resolver as equações da
teoria da relatividade, e deixar
nas mãos dele um detector de
grávitons seria receita para o
desastre. Mas o sociólogo conseguiu confundir a cabeça de
um time de nove físicos. Desses, sete acharam que ele também era do seu ramo e descartaram como impostor um físico
de verdade, ao comparar as respostas dadas por ambos a uma
série de questões cabeludas sobre ondas gravitacionais.
Em retrospecto, a missão de
Collins, pesquisador da Universidade de Cardiff (País de Gales, Reino Unido), não parece
tão impossível assim. Afinal,
ele é sociólogo da ciência e há
30 anos estuda a comunidade
de físicos de ondas gravitacionais. Mas, com sua divertida
impostura, Collins considera
ter demonstrado que não é preciso saber matemática avançada ou ter prática de laboratório
para entender a fundo os conceitos de um ramo da ciência
-coisa que muitos cientistas de
verdade ainda negam.
Essa possibilidade foi um dos
pomos da discórdia das chamadas "guerras da ciência", um
debate que opôs cientistas a
pesquisadores da área das humanidades na década passada.
Os cientistas, na época, diziam
que as críticas à maneira como
a ciência funcionava feitas por
filósofos e sociólogos eram disparatadas, em parte porque os
estudiosos de humanidades
não sabiam realizar experimentos nem tinham conhecimento matemático -e, portanto, não tinham como entender
de fato a ciência.
Interativo
A tese de Collins era simples:
um estranho no ninho da física
de ondas gravitacionais, mesmo que não soubesse fazer as
contas complicadas que a disciplina exige, seria capaz de adquirir a chamada "especialização interativa" -ou seja, o domínio dos conceitos por trás
daquele ramo de pesquisa e a
capacidade de interagir com
pesquisadores e até dar sugestões ou fazer comentários.
Collins e seus colegas, o também britânico Rob Evans e o
brasileiro Rodrigo Ribeiro, testaram a idéia pedindo a um físico de ondas gravitacionais que
criasse um questionário com
sete perguntas (veja quadro à
esq.). As perguntas seriam
mandadas para Collins e para
um físico de verdade. Depois, as
respostas da dupla foram passadas para outros especialistas
da área, que teriam de adivinhar quem era a fraude.
Não funcionou: embora houvesse grande grau de incerteza
nas respostas, a maioria dos físicos não conseguiu distinguir
um do outro. "Os físicos não ficaram chateados com o resultado -pelo contrário, mostraram-se muito interessados",
contou Collins à Folha.
"Qualquer ciência grande, no
fundo, depende dessa especialização interativa", argumenta
ele. "A física é dividida em muitas pequenas especialidades,
então os físicos lidam o tempo
todo com colegas que não têm
conhecimento técnico detalhado de sua área, apenas uma
compreensão conceitual."
O trabalho pode ter implicações, por exemplo, para a avaliação de artigos científicos para publicação (a chamada revisão por pares), ou mesmo para
a alocação de verbas. Afinal,
pesquisadores de áreas diferentes podem ser tão competentes para julgar o mérito de
um estudo ou projeto quando
especialistas no ramo.
Alan Sokal, físico da Universidade de Nova York e um dos
protagonistas das "guerras da
ciência", não parece ter se convencido com o experimento de
Collins. Sokal ficou famoso ao
forjar um artigo "científico" e
enganar os editores do periódico de humanidades "Social
Text", que o publicaram -na
verdade, o texto era uma paródia dos artigos estapafúrdios
escritos por filósofos, usando
conceitos da física quântica
sem o menor nexo.
Ouvido pela revista científica
"Nature", que revelou o caso de
Collins, Sokal se disse impressionado, mas ressaltou que o
conhecimento do sociólogo
não é suficiente para entender
a fundo como fatores externos
influenciam a ciência. "Se esse
é o seu objetivo, você precisa de
um conhecimento da área que
seja virtualmente, se não totalmente, do mesmo nível que o
de um pesquisador", afirmou.
"A posição de Sokal é ridícula. É perfeita para produzir
aqueles relatos auto-elogiosos
que os generais vitoriosos adoram", rebate Collins. As guerras, pelo visto, continuam.
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