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Estado violência
O povo wari, que viveu no Peru até o século 11, não fugiu à regra dos grandes impérios: usou a violência
para se expandir
Jaime Razuri/France Presse
![](../images/d0807200701.jpg) |
Múmia wari com dedos amarrados; ossos achados no Peru exibem diversos traumas |
DA REDAÇÃO
Q
ue os waris não
eram exatamente
um povo pacífico a
arqueóloga americana Tiffiny Tung
já sabia. Quando começou suas
escavações dos vestígios daquela grande civilização, que
no primeiro milênio da Era
Cristã já fazia prédios à prova
de terremotos na região de
Ayacucho, Peru, Tung tinha
plena consciência de que estava diante do primeiro império
expansionista das Américas. E
nenhuma política imperial expansionista acontece sem alguma dose de violência.
O que Tung não podia adivinhar era o quão disseminada a
violência se tornou em toda a
extensão do império wari, do
centro à periferia, em todas as
camadas sociais, da elite às humildes vilas de pescadores.
Esse quadro começa a se delinear agora. Em um estudo publicado na última edição da revista científica "American
Journal of Physical Anthropology", a pesquisadora analisa
181 esqueletos humanos desenterrados nas ruínas de três vilas waris. Seus crânios, datados
do ano 650 ao 800 (o império
durou até o ano 1000), exibem
grau alto de fraturas -muitas
delas fatais- feitas por armas
contundentes, como maças e
boladeiras. A proporção de crânios fraturados na população
(até 30%) era mais alta entre os
waris do que em outras populações andinas (11% em média).
Caçada humana
As marcas nos ossos indicam
que a violência não conhecia
barreiras de sexo nem idade.
Em um dos sítios, a vila de La
Beringa, no vale do rio Majes
(perto da atual cidade de Arequipa, no sul do país), 31% dos
crânios femininos e 13% dos de
jovens de ambos os sexos apresentam sinais de fratura. Algumas das marcas de golpe não
acompanham sinais de regeneração do osso, o que indica que
a pancada pode ter sido fatal.
Beringa não era central para
o império. A vila de pescadores
e tecelões, aparentemente, não
tinha interferência direta da
capital, em Ayacucho.
Várias das fraturas em seus
antigos habitantes aparecem
na parte de trás do crânio, o que
indica que "os habitantes de
Beringa podem ter sido feridos
durante reides (incursões militares) realizados por outros
grupos", escreveu Tung.
Os antropólogos estimam,
com base em relatos históricos,
que esse tipo de violência sistemática cresceu nas Américas
após a conquista européia, no
século 16, mesmo entre tribos
que estavam longe do contato
com os invasores.
"Sua influência regional reverberou através da região, desestabilizando redes políticas e
alianças de comércio, agravando ou criando tensão entre as
comunidades nativas", afirma a
pesquisadora americana. "É
possível que a influência imperial wari tenha tido um efeito
semelhante."
A localização do sítio de La
Beringa, no alto de um morro,
parece ser uma indicação sinistra de que seus moradores já esperavam ser perseguidos.
Resolvendo na pancada
Em outro sítio, o de La Real,
os esqueletos são predominantemente masculinos e têm fraturas -poucas delas fatais-
concentradas no rosto. O padrão é semelhante ao encontrado entre outras populações
pré-colombianas entre as quais
os conflitos se resolviam na
porrada, na forma de batalhas
rituais conhecidas nos Andes
como "tinku".
La Real, também no vale do
rio Majes, era um cemitério onde eram enterrados membros
da elite. Para Tung, o envolvimento nessas batalhas rituais
provavelmente exigia um bocado de coragem e deveria servir
como "credencial" para garantir pelo menos um enterro entre os "bacanas".
Sem "Pax"
O trabalho de Tung, que neste momento trabalha em Ayacucho, ajuda a entender a centralização política na América
do Sul, que teve nos mais de
3.000 km de extensão do império inca sua expressão máxima.
A civilização wari surgiu paralelamente a outra civilização
andina, tiwanaku, famosa por
um centro cerimonial na Bolívia e que estendeu sua influência a toda a região do lago Titicaca e ao norte do Chile. O arqueólogo chileno Luís Briones
Morales, da Universidade de
Tarapacá, chama os waris de
"braço armado" de Tiwanaku.
O qualificativo não parece
despropositado: enquanto tiwanaku estendia sua influência
por meio de religião e comércio, os waris tinham métodos
mais, digamos, persuasivos.
Os waris não souberam muito arrefecer o ânimo belicoso, o
que ocorreu no caso dos incas.
Por mais de um século, os níveis de violência continuaram
altos. Talvez nesse desassossego resida ao menos parte da explicação para o colapso do
grande império, no ano 1000.
(CLAUDIO ANGELO)
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