São Paulo, domingo, 08 de setembro de 2002

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+ ciência

EXCELÊNCIA À BRASILEIRA

Divulgação/LNLS
O Laboratório Nacional de Luz Síncrotron (LNLS), que fica na região de Campinas (SP)



Livro "Crônicas de Sucesso" retoma casos relatados nos 20 anos da revista "Ciência Hoje", publicada pela SBPC, que antecipou em duas décadas uma tendência do mercado editorial


Flávio Dieguez
free-lance para a Folha

No início da década de 1980, a ciência e a tecnologia estavam chegando ao auge de um crescimento explosivo na imprensa mundial, e os reflexos disso começavam a aparecer no Brasil. A indústria editorial moveu-se devagar, deixando a iniciativa por conta da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC): coube a essa instituição de classe responder ao mercado e colocar nas bancas uma revista nova em folha.
Era a "Ciência Hoje", que, nos anos seguintes, passou a trazer, com regularidade, informações de alta qualidade sobre a pesquisa nacional. Nunca chegou ao grande público, mas alcançou formadores de opinião, dentro e fora do meio acadêmico, inclusive muitos dos profissionais que agora formam o competente quadro de jornalistas científicos do país.
A fidelidade a essa história é o maior mérito do livro "Crônicas de Sucesso - Ciência e Tecnologia no Brasil", lançado no último dia 12 de agosto como parte da comemoração dos 20 anos de "Ciência Hoje".
Organizado pelos jornalistas Roberto Barros de Carvalho, chefe da sucursal da revista em Belo Horizonte, e Bernardo Esteves, diretor da versão online, o livro alinhava com precisão os avanços recentes da ciência brasileira, situando-os no tempo, no espaço e em outras dimensões importantes, como a econômica e a política. Tem-se uma visão muito nítida da importância que a pesquisa ganhou no Brasil, nos últimos anos, e o foco fica ainda melhor pelo fato de ser um texto enxuto e competente, e de os temas virem muito bem arranjados em capítulos de leitura rápida. Preenche, com isso, uma lacuna importante no universo do jornalismo científico brasileiro.

Insumos econômicos
O neurologista Roberto Lent, da Universidade Federal de Minas Gerais, diz que a obra
"Crônicas de Sucesso" mostra à sociedade "as possibilidades que se abrem quando se decide investir seriamente em ciência e tecnologia". Não é pouca coisa, considerando que os dois itens, além de conhecimento essencial, são insumos indispensáveis da economia contemporânea.
Carvalho conta que o trabalho foi feito de maneira muito simples. "Tentamos dar uma cara de revista ao livro, que é um trabalho de equipe. Tanto que os artigos nem estão assinados, porque achamos que isso atrapalharia a imagem de um projeto conjunto". Explica que os autores são todos jornalistas especializados em ciência, "alguns com grande experiência nos temas sobre os quais escreveram". Cada um dos setes integrantes do grupo levantou aquilo que considerava mais relevante, e a escolha final foi tomada depois de discussões internas e em consultas a pesquisadores das áreas selecionadas.
O painel resultante reúne 28 assuntos e desfaz a visão tradicional de que a ciência brasileira tem presença menor na vida nacional. Ou que se restringe a um ou outro feito excepcional recente, como o badalado mapeamento genético da bactéria Xylella fastidiosa. Ela está no livro, mas, à medida que passam as páginas, o leitor se surpreende com a quantidade de realizações de importância equivalente nas mais diversas áreas.
Vai-se da Embrapa à Embraer, da Petrobras ao Proálcool, das bactérias que garantem a produtividade da soja brasileira à produção de AZT. Num plano menos prático, o leitor passa dos esqueletos mais antigos da América, pesquisados em Minas Gerais, aos conceitos inovadores que norteiam a Reserva Florestal de Mamirauá, no Amazonas, do estudo das maiores estrelas do Universo à reconstituição dos dinossauros sul-americanos.

Massa crítica
Dificilmente alguém sentirá falta de uma pesquisa ou fato importante dos últimos 20 anos -quando, além da qualidade, a ciência brasileira passa a ter massa crítica e volume de produção comparável aos de países desenvolvidos. A mescla de temas estritamente científicos com os institucionais é que dá ao leitor uma compreensão abrangente do desenvolvimento recente da ciência.
O fundo histórico é apenas esboçado, em pinceladas rápidas, nos capítulos iniciais, dedicados aos "grandes marcos" da pesquisa nacional. Aí estão, por exemplo, o médico mineiro Carlos Chagas, pelo trabalho de contenção da doença que leva seu nome, na primeira década do século 20; o físico curitibano Cesar Lattes, por seu papel na elucidação dos raios cósmicos, na década de 1940; e o farmacologista carioca Maurício Rocha e Silva, pela descoberta da bradicinina, em 1948, que se tornou a base de inúmeros remédios contra a hipertensão no mundo todo. Esses e outros feitos, poucos, funcionam no livro como uma espécie de baliza para o que viria depois. Nessa breve introdução está o essencial. "Tivemos três trabalhos com nível de prêmio Nobel no Brasil, o de Carlos Chagas, de Rocha e Silva e de Cesar Lattes. Depois dos anos 50, não foi feita nenhuma descoberta da mesma importância."
Mas ele diz que o livro cobre principalmente esse período porque só depois da década de 50 a pesquisa começou ser feita de maneira sistemática. "Tivemos a criação de instituições como o CNPQ (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico) e a CAPES (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior)", lembra Carvalho. "Esse processo foi intensificado a partir da década de 70 com a criação da FAPESP (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de SP) e a FINEP (Financiadora de Estudos e Projetos). A partir daí, formaram-se equipes profissionais, com grandes levas de pesquisadores recebendo bolsas para estudar no exterior".
resumo, a equipe comandada por Carvalho fez mais ou menos o que o físico Ênio Candotti - um dos responsáveis pela consolidação de Ciência Hoje, nessas duas décadas - considera ser o papel da SBPC na divulgação da ciência: "estabelecer os canais necessários para que a nossa história e as pesquisas realizadas nos laboratórios cheguem a um público o mais amplo possível". Tanto no caso da revista como no do livro, isso provavelmente significa um público restrito, comparado ao que se espera, atualmente, de um produto da indústria editorial. Mas, quanto mais amplo, melhor.

Estatísticas
Apesar da quantidade de informação que traz, e de lidar com temas geralmente complicados, nem sempre apaixonantes por si mesmos, Crônicas de Sucesso é gostoso de ler e simples de consultar. Pode-se saltar de um assunto a outro sem prejuízo da continuidade. Não é um resultado tão fácil de alcançar como pode parecer à primeira vista. Dá para ter uma idéia do que isso representa examinado algumas estatísticas divulgadas por Ciência Hoje na ocasião de seu aniversário. Segundo os editores, nesses 20 anos, escreveram para a revista mais de 2 000 cientistas, 13% dos quais trabalhando no exterior. Perto de 1 000 pesquisadores colaboraram com a redação avaliando textos de outros colegas, na busca de um meio termo entre a qualidade jornalística e a exatidão técnica. Quase uma centena de jornalistas passaram pela redação. É razoável concordar com a avaliação da equipe atual, dirigida pela arquiteta Elisabete Pinto Guedes, de que a publicação se transformou em um "laboratório de idéias e realizações" que marcou a história da divulgação científica brasileira." Crônicas de Sucesso é um bom produto dessa experimentação.


Crônicas de Sucesso: Ciência e Tecnologia no Brasil
153 págs., R$ 23 de Roberto Barros de Carvalho (org.). Ciência Hoje (av. Venceslau Brás, 71, casa 27, CEP 22290-140, RJ, tel. 0/xx/21/2295-4846)



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