São Paulo, terça-feira, 08 de outubro de 2002

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MEDICINA

Nobel de 2002 reforça noção de que modelos celulares tradicionais são cruciais para validar descobertas de genes

Prêmio casa genômica e biologia clássica

DA REDAÇÃO

Quando o britânico Sydney Brenner propôs à Universidade de Cambridge, em 1963, que passasse a dedicar menos energia ao campo nascente dos estudos do DNA para pesquisar o desenvolvimento celular num verme do tamanho de uma cabeça de alfinete, precisou se justificar.
"Muita gente achava que a nossa abordagem era muito "biológica" e que isso iria nos afastar da biologia molecular", escreveu.
O Nobel deste ano serviu para calar a boca dos críticos. Ao adotar como linha de pesquisa a biologia do desenvolvimento no verme C. briggsae -que acabou sendo substituído no caminho pelo C. elegans-, Brenner lançava as bases para que seus ex-colaboradores John Sulston e Robert Horvitz promovessem um dos raros casamentos felizes da genética clássica com a genômica.
O cientista, graduado pela Universidade de Witwatersrand, em Johannesburgo (África do Sul), mostrou em 1974 que podia induzir mutações fáceis de observar ao microscópio no C. elegans e verificar como elas afetavam o desenvolvimento dos órgãos do animal.
Dois anos depois, Sulston, que assim como Horvitz fora contratado por Brenner para trabalhar no famoso Laboratório de Biologia Molecular de Cambridge (onde a estrutura do DNA havia sido desvendada em 1953), ampliou o trabalho do chefe e mostrou que as células do verme seguiam sempre o mesmo programa de divisão e diferenciação celular.
Isso o levou a concluir que determinadas células sempre morriam no processo de desenvolvimento, como se estivessem programadas para fazê-lo, e a demonstrar mutações nos genes que participam desse programa.
Horvitz, formado na Universidade Harvard, descobriu mais tarde os genes ced-3, ced-4 e ced-9, que controlam a morte celular programada no verme. E aí veio o casamento com a moderna biologia molecular que pessoas como James Watson tanto cobravam de Brenner.
"Com o sequenciamento, descobriu-se que existia uma homologia [semelhança" desses genes com genes de mamíferos", disse à Folha Gustavo Amarante-Mendes, do Departamento de Imunologia do Instituto de Ciências Biomédicas da USP.
Só então os cientistas puderam se lançar à tarefa de tentar aplicar à medicina as lições aprendidas do organismo-modelo, o verme.

Falhas
A morte celular programada é um mecanismo de controle importante dos seres vivos. Células defeituosas ou que estejam se multiplicando em excesso, por exemplo, são induzidas ao suicídio, restaurando o equilíbrio no organismo. Uma falha num dos genes responsáveis por esse controle pode levar à multiplicação desordenada de células. É o que acontece no câncer.
Há, também, casos nos quais a segurança funciona demais: certas doenças genéticas degenerativas, como a forma hereditária de esclerose lateral amiotrófica (síndrome de Lou Gehrig), produzem morte excessiva de células.
Os pesquisadores esperam poder controlar os genes relacionados ao suicídio celular para produzir terapias contra essas doenças. Mas não tão cedo.
"O fenômeno já está dominado em modelos animais", disse Marcello Barcinski, do Instituto Nacional do Câncer, que estuda apoptose no protozoário causador da leishmaniose. "[Mas" há muito trabalho antes do uso clínico da morte celular programada."
Segundo Amarante-Mendes, o trabalho de Brenner, Sulston e Horvitz traz, ainda, uma mensagem importante para quem acha que o sequenciamento de DNA vai resolver todos os problemas da biologia: "São os modelos biológicos os verdadeiros responsáveis pela caracterização formal de um dado gene". Tradução: genoma é bom, mas não é tudo.
Sulston que o diga: ex-diretor de um dos maiores centros de sequenciamento, viu o reconhecimento a seu trabalho chegar no rastro de um verme. (CA)


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