São Paulo, quarta-feira, 08 de dezembro de 2004

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MEDICINA

Experimentos legalizados no país oferecem diferentes graus de melhor para doenças como a esclerose múltipla

China usa célula de feto para tratar nervo

Cláudia Trevisan/Folha Imagem
O americano Jeff Dunn, portador de ALS, e sua mulher, Cyrilla, na véspera de cirurgia na China


CLÁUDIA TREVISAN
DE PEQUIM

Ao menos dois médicos chineses fazem há três anos transplante de células de fetos humanos para tratar doenças ligadas ao sistema nervoso central, como esclerose múltipla, e traumas na medula espinhal que levam à paralisia.
A China é o único país do mundo que usa esse procedimento de modo institucionalizado, com fetos abortados e doados para as cirurgias. O aborto é permitido no país e pode custar pouco mais de US$ 60. Além disso, não há grupos religiosos ou movimentos antiaborto e o transplante de células de embriões é considerado legal.
Os pacientes não voltam a andar nem ficam curados, mas apresentam diferentes graus de melhora após a operação. Nos casos de paralisia, pode haver pequena recuperação de movimentos, ampliação da área de sensibilidade e maior controle sobre funções fisiológicas. O transplante só pode ser feito se não houver rompimento total da medula espinhal.

Recuperação
Em relação à esclerose múltipla, muitos pacientes recuperam parte das funções que haviam perdido, como fala e movimento dos braços ou pernas. Xiu Bo, um dos médicos que realizam o transplante, ressalta porém que a cirurgia não protege o paciente de uma recorrência da doença.
Apesar disso, os casos de esclerose múltipla são os que podem ser tratados com mais sucesso por meio do transplante, afirma Xiu, diretor do Departamento de Neurocirurgia Espinhal do Hospital Yuquan, de Pequim, ligado à Universidade de Tsinghua.
Além de paralisia e esclerose múltipla, a cirurgia é usada pelo médico Huang Hongyun, dos hospitais de Chaoyang e Yu Quan, para tratamento de casos de esclerose lateral amiotrófica, a doença do neurônio motor cujo paciente mais famoso é o físico britânico Stephen W. Hawking. O problema é que Huang não sabe por quanto tempo os resultados do transplante se mantêm.
O médico começou a fazer a cirurgia para esclerose lateral amiotrófica há dois anos, depois de tratar por um ano só quadros de paralisia por lesão da medula espinhal. Segundo ele, na maioria dos casos a situação dos pacientes se estabilizou, mas apenas por um período de seis meses a um ano. Em alguns outros, o quadro continua estável até hoje.
Xiu é cético quanto ao uso do transplante em esclerose lateral amiotrófica, por considerar que a cirurgia não interrompe o processo degenerativo da doença.
Apesar das divergências, os dois médicos, que já trabalharam juntos, adotam o mesmo método de transplante. Ambos usam células gliais olfativas (OEC, na sigla em inglês), que têm a capacidade de regenerar as células nervosas. As OECs são extraídas do bulbo olfativo de fetos abortados no quarto ou quinto mês de gravidez e passam por uma cultura em laboratório por duas a três semanas.
A fase de cultura é a que exige mais atenção, afirma Xiu. "A cirurgia não é nada difícil, o que é difícil é o trabalho no laboratório e é onde também está o nosso segredo. Todos os nossos investimentos, materiais e força de trabalho ficam no laboratório." O alvo de tantos esforços é aumentar a velocidade de multiplicação das células e potencializar suas propriedades, diz o cirurgião.
Na cirurgia, são transplantadas entre 1 milhão e 1,5 milhão de OECs. As incisões são feitas em áreas próximas à da lesão. Em casos de paralisia, são feitos dois cortes, acima e abaixo do ponto onde a medula espinhal foi afetada. No tratamento de esclerose lateral amiotrófica, Huang faz incisões em cada uma das têmporas ou apenas um corte no alto da testa, dependendo do caso.
As cirurgias para esclerose múltipla podem ser feitas na cabeça, na região do pescoço, no tórax e na região lombar, de acordo com o local de manifestação da doença. A causa da esclerose múltipla é a perda da bainha de mielina, que protege as células nervosas e facilita a condução de impulsos, observa Xiu. A ausência da proteção lesiona o sistema nervoso e leva ao aparecimento de cicatrizes e à perda de funções motoras. As OECs usadas no transplante têm a capacidade de envolver novamente os neurônios e permitir a recuperação de sua atividade e da transmissão de impulsos nervosos entre as células.
Nos últimos três anos, Huang fez cerca de 500 transplantes com células de embriões. Desses, 171 foram casos de lesão da medula espinhal tratados em conjunto com Xiu. Esses transplantes serviram de base para o estudo sobre o impacto da idade do paciente no resultado, publicado no "Chinese Medical Journal" em 2003.
"No presente estudo, descobrimos que o transplante de OECs para SCI (lesões da medula espinhal) pode recuperar parcialmente as funções da medula espinhal, independentemente da idade do paciente", diz o estudo.
A versão em inglês do trabalho está na internet (www.cmj.org/information/issuelist.asp?py).


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