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+ Marcelo Gleiser
Sopa de cosmos
Talvez haja
um multiverso, emergindo como bolhas
numa sopa
Durante o século 20, a física desenvolveu duas teorias revolucionárias: a teoria da relatividade de Albert Einstein e a mecânica
quântica de Niels Bohr, Erwin Schrödinger, Paul Dirac e muitos outros. O
adjetivo "revolucionárias" não é exagero: a teoria da relatividade transformou profundamente nossa compreensão do que é espaço, tempo e a
relação entre energia e matéria.
Ao contrário da visão clássica sobre
a natureza do cosmos, que prevalecia
desde os dias de Isaac Newton, no final
do século 17, Einstein mostrou que o
espaço, mais precisamente as medidas de distância entre dois pontos, e a
passagem do tempo dependem do observador. Um segundo para você pode
não ser um segundo para outra pessoa, se vocês estiverem em movimento relativo, acelerado ou não. Ademais, a nova teoria reformulou a noção de gravidade, que pode ser interpretada como a curvatura do espaço
em torno de um objeto. Esses efeitos
só são relevantes se os movimentos
ocorrem próximos da velocidade da
luz ou se o objeto tem massa comparável ou maior do que a do Sol. Mas
eles estão lá, descrevendo uma física
além de nossas percepções.
O mesmo com a mecânica quântica,
que descreve a física dos átomos e das
partículas subatômicas. Para surpresa
dos próprios físicos, tudo é diferente
no mundo do muito pequeno: trocas
de informação e energia são feitas em
porções discretas em vez de serem
contínuas, como quando aquecemos
água numa chaleira. Partículas podem
estar em mais de um lugar do espaço
ao mesmo tempo, seguir todas as trajetórias possíveis e atravessar barreiras como se fossem fantasmas. No
mundo quântico tudo flutua, nada é
exatamente determinado: energia,
posição, velocidade. Apenas quando
um observador interage com o que está medindo (por exemplo, enviando
luz ou outra partícula que colide com
o que está sendo medido) é que um valor determinado é obtido. Em outras
palavras, a natureza intrínseca da matéria não pode ser definida "a priori".
A realidade emerge de forma clara
apenas quando é convocada por algum observador.
Esses dois pilares da física moderna
coexistiram pacificamente até a década de 1960, parecendo tratar de dois
aspectos muito diferentes da realidade física, o muito pequeno e o muito
grande. Com a confirmação de que o
Universo está em expansão, aliada ao
sucesso da teoria da relatividade, tudo
mudou. Afinal, se o Universo cresce
cada vez mais na medida em que o
tempo passa, era menor no passado.
E, se voltarmos até bem próximos do
"tempo zero", que hoje sabemos ter
ocorrido em torno de 14 bilhões de
anos atrás, o Universo como um todo
teria dimensões semelhantes às de
um átomo. Nesse caso, para descrever
a física da infância cósmica, seria necessário usar a mecânica quântica: os
dois pilares teriam de ser unificados.
Infelizmente, devido a dificuldades
técnicas e conceituais, esse casamento ainda não foi consumado. Mas já
houve paqueras e flertes entre as duas
teorias, intensos o suficiente para termos uma idéia de como ele seria. E o
que emerge é um cosmo quântico, onde a geometria do espaço e a passagem
do tempo flutuam aleatoriamente. De
fato, não se pode nem falar em um
"Universo": falamos em um multiverso, uma sopa de universos talvez até
infinita, onde todas as possibilidades
existem. O nosso seria apenas um deles, uma raridade, uma bolha que cresceu, solitária em meio à tantas que
existem por instantes e voltam à sopa
primordial. Existiriam então outros
universos? Seria possível passar de
um a outro? Será que há vida em alguns deles? As respostas à essas perguntas e muitas outras esperam, impacientes, pelo casamento.
MARCELO GLEISER é professor de física teórica do Dartmouth College, em Hanover (EUA), e autor do livro "O Fim
da Terra e do Céu"
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