|
Próximo Texto | Índice
CIÊNCIA
Complexo de rejeição
afeta cientistas no país,
diz a primeira brasileira
editora da "Nature"
À frente da pesquisa
RICARDO BONALUME NETO
especial para a Folha
Uma cientista brasileira de 32
anos ajuda a moldar uma das principais revistas científicas do planeta, a britânica "Nature", de mais
de um século de idade.
Andrea Kauffmann Zeh, mineira
de Conceição do Mato Dentro, começa algumas respostas com o
clássico "uai". Ela é a primeira
brasileira a ser uma editora da revista. Trata-se de uma responsabilidade pesada. A "Nature" e sua
arqui-rival norte-americana, a
"Science", são as duas principais
revistas científicas multidisciplinares de circulação internacional.
Antes de se tornar uma editora
da área de biologia, Andrea estava
fazendo doutorado e pós-doutorado no Reino Unido. Especialista
na sinalização bioquímica entre as
células, ela conseguiu publicar um
artigo na "Science" e, em seguida, outro na "Nature" -este último, sobre a morte celular programada (apoptose), foi um dos
"papers" mais citados no mundo
em 1997 -mais citado, por exemplo, que o artigo que descrevia a
clonagem da ovelha Dolly, também publicado na "Nature".
Pouco depois de sair seu artigo,
ela foi contratada pela revista.
Andrea concorreu com cerca de
300 jovens cientistas para obter o
cargo e passou por uma entrevista
de sete horas. É compreensível,
pois sua função é receber artigos
científicos produzidos pela nata
da ciência mundial e selecionar alguns deles para exame por pares
-outros cientistas encarregados
dessa chamada "peer review".
Chegam por semana 200 artigos
na "Nature". Os editores fazem a
primeira triagem. Cerca de 30 vão
para os "pares", cientistas renomados que avaliam as novas pesquisas. Em média, dez artigos são
publicados semanalmente pela revista. A entrevista foi realizada durante sua passagem pelo Brasil para conversar com cientistas locais.
Folha - Por que você decidiu largar sua carreira de pesquisadora e
se tornar uma editora da "Nature"?
Andrea Kauffmann Zeh - Eu
sempre tive vontade de fazer algo
assim. Entendi que meu desafio
como pesquisadora era mais intelectual do que de bancada. Em
uma etapa da vida, você tem objetivos práticos. Mas chega uma hora em que o pesquisador começa a
ter um papel na formação, de pensar. No meu caso, cheguei em uma
encruzilhada. Ou teria a vida dura
de um jovem pesquisador em um
laboratório, ou trabalharia em um
"journal", e tinha de ser a "Nature", para poder ter nas minhas
mãos a pesquisa de ponta.
Folha - Não é uma grande responsabilidade decidir sobre isso?
Zeh - No começo, eu tinha pesadelos: será que estou fazendo a
coisa correta? Tenho o poder de
interferir em como é feita a ciência
de ponta. Não é dramático -há o
corpo editorial e o "peer review".
É um pouco assustador no começo, mas, ao mesmo tempo, é o chamariz. Eu tenho mais peso na ciência do que teria com a carreira padrão de um jovem pesquisador.
Sou impaciente. E adoro isso, tenho contato com os melhores
cientistas do mundo nessas áreas.
Folha - E por que você veio ao
Brasil agora?
Zeh - A "Nature" reconhece o
imenso potencial da ciência no
Brasil. Todos os editores da revista
têm de fazer periódicas visitas a laboratórios, as "lab visits". Sendo
brasileira, nada mais natural que a
revista me enviasse ao Brasil. Logo
que comecei, o editor da "Nature", Philip Campbell, me falou
que seria interessante se eu viesse
ao Brasil para isso.
Complexo de rejeição
Folha - Quais instituições você visitou?
Zeh - Com tempo reduzido, tive de me concentrar em alguns locais, como departamentos da
UFRJ (Universidade Federal do
Rio de Janeiro) e da USP (Universidade de São Paulo), além da Fundação Instituto Oswaldo Cruz
(Fiocruz), Universidade Federal
de Minas Gerais (UFMG), as fundações de amparo à pesquisa dos
Estados de São Paulo (Fapesp) e de
Minas Gerais (Fapemig), o Conselho Nacional de Desenvolvimento
Científico e Tecnológico (CNPq),
a Empresa Brasileira de Pesquisa
Agropecuária (Embrapa) e o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe).
Folha - Por que tão poucos brasileiros publicam na "Nature"?
Zeh - Primeiro, porque poucas
pessoas mandam artigos. Há um
complexo de rejeição. Pessoas que
têm coisas boas na mão e não percebem acabam mandando o artigo
para publicações menos prestigiosas, para não correr o risco de rejeição. Não é fácil ganhar um
"não" depois de três ou quatro
anos trabalhando em algo. Mas isso não acontece só no Brasil. Por
outro lado, existem pesquisadores
que entendem melhor o sistema,
sabem que tipo de "paper" a
"Nature" está procurando. Não é
só o óbvio, a novidade. Tem que
também abrir uma nova perspectiva de pesquisa, com uma mensagem forte, poderosa.
Folha - Existe algum atalho? O
pesquisador pode fazer uma submissão prévia do assunto da pesquisa para saber se há interesse?
Zeh - Eu recomendo que o pesquisador vá ao site da "Nature"
na Internet (www.nature.com) e
envie uma ou duas páginas sobre
sua pesquisa. Claro que nós, editores, preferimos ter o artigo em
mãos para avaliá-lo. Mas a submissão prévia garante uma resposta em 48 horas, e você fica sabendo se sua pesquisa é de interesse dos editores, em princípio. Antes de mandar para uma outra revista, conviria ao pesquisador brasileiro tentar essa opção.
Próximo Texto | Índice
|