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São Paulo, terça-feira, 09 de setembro de 2003

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VLS-1

Técnicos sabiam de descargas que haviam danificado medidores e que devem ter acionado dispositivos para "ligar" motor

Foguete já tinha enfrentado pane elétrica

SALVADOR NOGUEIRA
DA REPORTAGEM LOCAL

Os técnicos envolvidos na campanha de lançamento do VLS-1 já sabiam da ocorrência de problemas elétricos na plataforma do foguete antes do acidente que matou 21 pessoas no Centro de Lançamento de Alcântara, no Maranhão, no dia 22 de agosto.
Segundo a Folha apurou, queimas nos transdutores de pressão (os medidores de pressão dos motores do veículo) já haviam acontecido sem intervenção humana, antes da catástrofe, o que evidencia a passagem de corrente elétrica pelo foguete e pela plataforma.
Segundo relato de funcionários do IAE (Instituto de Aeronáutica e Espaço), responsável pelo projeto do Veículo Lançador de Satélites, o foguete, assim como a plataforma, estava dando "choque elétrico" em quem os tocasse.
Os dispositivos medidores de pressão perdidos não constituíam ameaça e até chegaram a ser substituídos, mas a mesma eletricidade que os danificou poderia causar um acidente mais grave caso afetasse os dispositivos pirotécnicos, que fazem com que o foguete inicie a queima do combustível.

Dispositivo pirotécnico
Desde os primeiros dias da investigação, o ministro da Defesa, José Viegas, já declarava que a principal suspeita sobre a ignição de um dos propulsores do VLS-1 recaía na indução de uma corrente elétrica capaz de acionar um dos dispositivos pirotécnicos.
A ignição prematura de um dos propulsores do primeiro estágio levou à sucessiva queima dos demais compartimentos do lançador, que abrigava 41 toneladas de combustível sólido, cuja queima não pode ser interrompida.
O protocolo de segurança dita que a instalação dos iniciadores pirotécnicos deve ser a última operação na preparação do foguete. Mas a norma não foi seguida: dois dos motores do primeiro estágio já estavam com seus dispositivos instalados quando três equipes do CTA (Centro Técnico Aeroespacial, organização-mãe do IAE, ligado à Aeronáutica) trabalhavam na plataforma. Os demais iniciadores seriam instalados na tarde do dia do acidente.
Os trabalhos seriam encerrados às 16h da sexta-feira. No sábado haveria um churrasco e no domingo seria iniciada a contagem regressiva do lançamento, marcado para 25 de agosto, que por coincidência era Dia do Soldado.
A principal suspeita sobre o que teria causado os problemas elétricos na plataforma recai atualmente sobre a manutenção da pintura, conduzida antes do início da campanha de lançamento. Foram usados jatos de areia para remover corrosão e restos de tinta, e o processo pode ter causado algum dano à rede elétrica, como o aterramento dos sistemas.
Até agora, a comissão de investigação estabelecida pela Aeronáutica não se manifestou sobre os detalhes que levaram à causa do acidente, embora o ministro Viegas e o brigadeiro-do-ar Tiago Ribeiro, que coordenava a operação em Alcântara, já tenham descartado atos de sabotagem ou falha humana por parte de alguma das vítimas do incêndio.
Além dos membros da Força Aérea, a comissão terá cinco especialistas russos e quatro representantes externos, provenientes da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), da Sociedade Brasileira de Física (SBF), da Academia Brasileira de Ciências (ABC) e das famílias das vítimas.

Falhas repetidas
Ouvido pela Folha, um engenheiro do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais) que pediu para não ser identificado disse acreditar que os cientistas russos, com larga experiência em foguetaria, não terão dificuldades em identificar as causas do acidente, nas circunstâncias dadas.
Caso houvesse um lançamento, seria a terceira tentativa de usar um protótipo do VLS-1 para colocar um satélite em órbita. As duas primeiras, realizadas em 1997 e 1999, terminaram em fracasso, por conta de falhas nos dispositivos pirotécnicos do primeiro e do segundo estágios, respectivamente. Como os veículos já estavam em vôo quando os defeitos ocorreram, não houve riscos para o pessoal em terra.
Nos planos originais do lançador, quatro vôos de qualificação estavam previstos. A próxima tentativa está prevista para 2006, antes do final do mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
Com as perdas materiais e humanas, torna-se muito difícil atingir essa meta, mesmo com o aumento de recursos para o programa. Os ministros Roberto Amaral (Ciência e Tecnologia) e José Viegas já pediram R$ 130 milhões adicionais no Orçamento para alcançar esse objetivo.


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