São Paulo, terça-feira, 09 de outubro de 2007

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Nocaute genético rende Nobel de Medicina a trio

Camundongos criados "sob medida" revolucionaram a indústria farmacêutica

Cientista britânico que isolou células-tronco embrionárias pela primeira vez dividirá com americanos prêmio de US$ 1,5 milhões

Douglas Pizac/Associated Press - Reuters e Universidade da Carolina do Norte
Da esquerda para a direita: Mario Capecchi, 70 Nasceu em 1937 em Verona, Itália. Emigrou para os EUA após a 2ª Guerra com a mãe, sobrevivente do Holocausto. Cidadão americano, é professor da Universidade de Utah; Sir Martin Evans Nasceu em Stroud, Reino Unido, em 1941, e é professor da Universidade de Cardiff, no País de Gales. Foi o primeiro cientista a isolar células-tronco embrionárias (em camundongos), em 1981; e Oliver Smithies, 82 Nasceu em Halifax, Reino Unido, em 1925. Cidadão americano, é professor da Universidade da Carolina do Norte. Paralelamente a Capecchi, criou camundongos nos quais genes específicos são reparados, ligados ou desligados

EDUARDO GERAQUE
DA REPORTAGEM LOCAL

Um camundongo manipulado geneticamente somado a um punhado de células-tronco embrionárias é igual a um terço de Prêmio Nobel.
A receita, que hoje é fundamental para colocar um novo antidepressivo ou um antiinflamatório no mercado, acaba de ser rotulada como revolucionária pelo Instituto Karolinska, que anunciou ontem, em Estocolmo na Suécia, os vencedores do Prêmio Nobel de Fisiologia ou Medicina de 2007.
Os laureados são dois norte-americanos naturalizados, Mario Capecchi, 70 (que nasceu na Itália), Oliver Smithies, 82 (que veio do Reino Unido), e o britânico Martin Evans, 66. Eles vão dividir, em partes iguais, a quantia de 10 milhões de coroas suecas (US$ 1,5 milhão).
"É sensacional. Essa é uma tecnologia importante. Era até esperado que eles ganhassem o prêmio", disse à Folha Lygia Pereira, pesquisadora da Universidade de São Paulo.
Ela aplica no Brasil, desde 2001, a técnica desenvolvida nos anos 1980 pelos cientistas agora laureados (que se tornou parte fundamental do kit de ferramentas da biologia no mundo todo): o chamado nocaute genético, no qual camundongos têm um gene específico desligado, ou "nocauteado".
O desligamento permite observar, no modelo animal, qual é o papel que aquele gene desempenha no organismo, e que tipo de doenças sua falta pode causar (ou sanar). Os roedores nocaute têm ajudado os cientistas a estabelecer o papel de genes individuais em uma série de moléstias, que vão da pressão alta a vários cânceres.
Segundo Carlos Menck, também da USP, os trabalhos feitos por Capecchi e Evans, principalmente, são fundamentais. "Eles estão na bibliografia do meu curso de pós-graduação". Menck usa roedores nocaute para estudar doenças de pele.
Em linhas gerais, principalmente Capecchi e Smithies, trabalhando em colaboração mas de forma independente, descobriram como manipular em larga escala nos animais o processo natural da recombinação homóloga - troca de seqüências de DNA iguais entre os cromossomos.
Mas, para isso -e aqui entra a colaboração de Evans-, as células-tronco embrionárias, que o cientista britânico isolou pela primeira vez há quase 30 anos são fundamentais. Essas células, que apresentam uma incrível capacidade de originar novos tecidos -como se viu só depois-, dão origem a animais com o traço genético desejado.
Sabendo que a recombinação homóloga é um processo natural, os cientistas manipulam as células-tronco de um embrião de camundongo e colocam nelas um pedaço de DNA que desliga o gene de interesse. Essas células, então, são injetadas em um embrião, chamado mosaico ou quimera, que passará a mutação para alguns de seus filhotes (veja quadro à direita).
"Sem as células-tronco não se consegue fazer o animal nocaute", explica o pesquisador João Bosco Pesquero. No laboratório da Unifesp, o cientista também usa os animais com genes desligados. "Aqui trabalhamos com a obesidade. Ou seja, o animal com determinados genes nocauteados acaba protegido do ganho de peso."

Será que ele vem?
Ontem, ao receber a notícia dos Nobel, o pesquisador da Unifesp teve um pensamento positivo e outro negativo. "O prêmio é merecido. Mas estamos organizando um congresso aqui para o início do ano que vem e o Smithies já tinha até confirmado a sua presença. Espero que ele mantenha."
A frase dita ontem exatamente por Smithies pode preocupar: "Espero que a minha vida não mude muito agora."
Pesquero conheceu o professor americano na Alemanha neste ano, quando ambos ganharam um outro prêmio científico. "Pelo menos posso dizer que estou no caminho certo."
Acordado às 3h da madrugada pela ligação de Estocolmo - os organizadores avisaram antes os vencedores e depois fizeram o anúncio oficial, o que não é comum- Capecchi estava eufórico. "A voz do outro lado do telefone era tão séria que nada parecia muito real", comentou.

Fuga dos nazistas
Apesar de ter chegado ainda criança aos EUA, o pesquisador da origem italiana teve que viver como menino de rua na sua Verona natal. Filho de um breve relacionamento entre uma poetisa e um piloto da Força Aérea, Capecchi ficou sozinho quando sua mãe foi presa pelos nazistas no campo de concentração de Dachau.
O cientista não esconde o passado, mas prefere não lembrar daquele tempo, quando tinha quatro anos e meio.
O outro integrante do trio também estava empolgado. "Estou absolutamente encantado. É o apogeu da minha carreira", resumiu Evans.

Com agências internacionais

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