|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
Proteína luminosa dá Nobel de Química a biólogos dos EUA
Extraída de água-viva, a GFP virou uma das ferramentas mais úteis da biologia, permitindo ver a atividade de genes
Para comitê do prêmio,
descoberta de trio teve
impacto comparável ao da
invenção do microscópio
sobre o avanço da ciência
Sam Yeh/France Presse
|
|
Peixes transgênicos fluorescentes foram feitos com inserção de gene que produz a proteína GFP
CLAUDIO ANGELO
EDITOR DE CIÊNCIA
RAFAEL GARCIA
DA REPORTAGEM LOCAL
O Prêmio Nobel de Química
de 2008 foi concedido ontem a
uma idéia literalmente brilhante. Seus ganhadores são três
cientistas dos EUA que transformaram uma água-viva esmagada na ferramenta de escolha de dez em cada dez laboratórios de biologia molecular
-uma proteína fluorescente
que revolucionou o estudo dos
genes e das células.
O japonês Osamu Shimomura, pesquisador aposentado do
Laboratório de Biologia Marinha, em Woods Hole, e os americanos Martin Chalfie, da Universidade Columbia (Nova
York) e Roger Tsien, da Universidade da Califórnia em San
Diego, compartilharão o prêmio de 10 milhões de coroas
suecas (cerca de US$ 1,4 milhão) e a glória por terem descoberto e aplicado à biologia a
GFP, sigla em inglês para proteína verde fluorescente.
Só mesmo dinheiro e glória,
porque a gratidão eterna dos
biólogos eles já tinham: afinal, o
uso da GFP como sinalizador
molecular, que tem a capacidade de iluminar só as células escolhidas, permitiu enxergar
processos dentro do organismo
que até então eram invisíveis.
Graças à GFP, os cientistas
conseguem hoje ver onde e
quando no organismo um gene
ou um conjunto de genes se ativa; conseguem iluminar o crescimento de um tumor; acompanhar a migração de células individuais num embrião em desenvolvimento; e enxergar até
mesmo processos que ocorrem
dentro da célula, para ajudar no
desenvolvimento de drogas.
O uso da proteína fluorescente ultrapassou até mesmo
os laboratórios de biologia. Invadiu o mundo dos bichos de
estimação, com a produção de
peixes de aquário transgênicos
brilhantes, e as artes plásticas,
com a criação, no começo do século, de uma coelha verde fluorescente, Alba, pelo artista brasileiro Eduardo Kac.
O comitê do Nobel comparou
o feito do trio à invenção do microscópio, no século 17, pela dimensão do novo universo que
se abriu. Shimomura, porém,
afirma que não imaginava que
seu trabalho ganharia tanta
projeção, quando conseguiu
isolar a GFP de águas-vivas. Em
1962, ele publicou um trabalho
revelando que a proteína emitia um forte brilho verde quando submetida à luz ultravioleta.
Quem deu o salto conceitual,
porém, foi Chalfie, que em 1992
inventou uma maneira de ligar
o gene da proteína a genes específicos de outros organismos.
Amostras de tecido e animais
geneticamente alterados poderiam ser usados para estudar
fenômenos escolhidos a dedo.
Se o gene escolhido para observação produzisse uma proteína ligada ao câncer, por
exemplo, era possível ver onde
e quando ela surgia no organismo de uma cobaia. Uma idéia
tão versátil não levou muito
tempo para se tornar uma ferramenta popular em toda a biologia celular e molecular.
Cores bonitas
A técnica se tornou ainda
mais poderosa quando Tsien,
56, elaborou em 1996 uma maneira de ampliar a paleta de cores de proteínas usadas na técnica. Além do verde surgiram
proteínas azuis, depois vermelhas, e outros cientistas estenderam a técnica para todas outras tonalidades. Uma técnica
nova chamada "brainbow" já
usa todas as cores do arco-íris
para diferenciar neurônios.
Tsien diz que ainda não teve
tempo de pensar sobre o impacto do Nobel em sua vida.
"Fundamentalmente, não sou
mais esperto hoje do que eu era
ontem", disse o cientista, que
confessa ter sido atraído pelo
lado lúdico da GFP. "Eu gosto
de cores bonitas, e essa era uma
boa oportunidade."
"Merecidíssimo", diz o biólogo brasileiro Alysson Muotri,
da Universidade da Califórnia
em San Diego. Ele mesmo recorreu à GFP para iluminar genes saltadores no cérebro de
mamíferos, em 2005, e usa a
proteína no dia-a-dia.
"A visualização é tão importante quanto a descoberta dos
fenômenos biológicos." Muotri, que por pouco não foi trabalhar com Chalfie em Columbia
("Ele queria muito que eu fosse
para Nova York") , cita o exemplo da estrutura do DNA, elucidada por Francis Crick e James
Watson em 1953 -usando imagens de raio-X. "Só se acreditou
na teoria quando montaram
um modelo onde todos "viram"
o que estava acontecendo."
Com Associated Press
Texto Anterior: Malária: Genomas de dois parasitas são descritos Próximo Texto: "Achei que fosse da Suécia", diz Martin Chalfie Índice
|