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GENÉTICA
Biólogos da USP usam causador do resfriado para entregar gene reparador; estudo abre caminho para geneterapia
Vírus emenda DNA de célula defeituosa
DA REDAÇÃO
Um grupo de pesquisadores da
USP está usando vírus de resfriado alterados geneticamente para
fazer um tipo de cirurgia para lá
de delicado: remendar moléculas
de DNA de células de portadores
de uma doença de pele rara, que
costuma levar ao câncer.
A pesquisa, ainda em caráter experimental, pode levar, no futuro,
a um método de diagnóstico ou
mesmo a uma terapia gênica contra essa doença, o xeroderma pigmentosum. De quebra, está ajudando a entender melhor como
funciona o mecanismo de reparação de erros da célula.
O DNA (ácido desoxirribonucléico), no qual estão codificadas
todas as informações para a produção de um ser vivo e para o seu
funcionamento, é uma molécula
frágil. Ele está sujeito a erros de
montagem a cada vez que uma célula se divide. Também pode ser
quebrado e consertado de uma
maneira torta por fatores externos, como a radiação ultravioleta
presente na luz solar.
Erros de replicação na molécula
de DNA podem levar a problemas
na hora da célula "ler" a receita
para fazer uma proteína, por
exemplo. Um desses problemas é
a multiplicação descontrolada das
células, o câncer.
Pacientes com xeroderma pigmentosum (XP), uma doença genética que afeta uma em cada 250
mil pessoas na América do Norte
e Europa e uma em 40 mil no Japão e no norte da África (não há
dados sobre a moléstia no Brasil)
são hipersensíveis a radiação ultravioleta porque têm defeito justamente no gene que faz as vezes
de "corretor ortográfico" do
DNA. Qualquer exposição ao sol
sem proteção pode fazê-los desenvolver câncer de pele -muitos acabam morrendo disso.
O que os pesquisadores do Instituto de Biociências da USP fizeram foi justamente elaborar uma
maneira de inserir o gene reparador nas células. Em estudo publicado na edição de outubro da revista científica "Human Gene
Therapy" (www.liebertpub.com/hum), eles usaram um adenovírus -causador de resfriado- para infectar in vitro células
da pele de pacientes de XP. O grau
de reparo foi total.
Geneterapia
Para transformar o micróbio
num cavalo-de-tróia genético, os
pesquisadores retiram de sua sequência de DNA os genes que o
tornam capaz de se replicar dentro da célula. Ao mesmo tempo,
emendam o gene de interesse (no
caso, o que carrega a receita para a
fabricação da proteína XP, que
corrige os erros do DNA) no genoma do parasita "engenheirado" geneticamente.
Em seguida, uma solução contendo vírus transformados é misturada às células. Eles as infectam,
transmitindo o gene curativo para
o genoma, mas não as matam. No
estudo publicado em outubro, a
proteção durava dois meses.
"Esse é o primeiro sistema de
entrega [de gene" com vírus para
células de pele", disse à Folha o
biólogo Carlos Frederico Menck,
que orientou o estudo, realizado
por Alysson Muotri e Maria Carolina Marchetto. "O que me deixou
surpreso é que ninguém tenha feito isso antes."
Menck, que trabalha há 20 anos
com vírus, se disse surpreendido
com a eficiência do adenovírus
para inserir o gene nas células.
"Eu já usei vários tipos de vírus e
achava que esse fosse ser só mais
um", afirmou o professor da USP.
Animado com o sucesso, o grupo vai agora tentar aplicar o mesmo princípio a camundongos
mutantes, que têm o gene XP
"desligado" pelos cientistas. Em
janeiro, Marchetto deverá iniciar
os experimentos "in vivo" nos
EUA, financiada por uma associação de portadores da moléstia.
O caminho parece ser promissor para uma terapia gênica contra xeroderma pigmentosum.
Mas Menck lembra que a pesquisa ainda é básica. "Minha expectativa seria fazer uma pomada
que pudesse ser usada a cada dois
meses. Mas não posso dizer isso."
Primeiro, é preciso ter certeza
de que o adenovírus "engenheirado" vai funcionar na pele dos animais -e os cientistas não sabem
ainda como proceder com eles.
Se tudo der certo com os camundongos, será preciso ainda
vencer os problemas de segurança do próprio adenovírus alterado
antes de testá-lo em humanos.
"Ele dá uma resposta imune muito forte [nos pacientes"", diz
Menck, cuja pesquisa foi anunciada pela revista "Pesquisa Fapesp",
da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo
-que financia os estudos, juntamente com o CNPq (Conselho
Nacional de Desenvolvimento
Científico e Tecnológico).
Foi um tratamento gênico com
adenovírus que causou a morte
do adolescente americano Jesse
Gelsinger em 1999, um dos maiores reveses da terapia genética.
Menck diz que seria necessário
buscar um outro vetor, mais seguro. Por isso, prefere não arriscar
um prazo para que a pesquisa saia
do laboratório para os hospitais.
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