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São Paulo, segunda-feira, 10 de março de 2003

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ARQUEOASTRONOMIA

Cientista identifica representação das estrelas da constelação de Órion em gravura feita em pedra

Alemão acha mapa estelar de 32 mil anos

Michael Rappenglück
Artefato de 32 mil anos mostra a suposta constelação de Órion


REINALDO JOSÉ LOPES
FREE-LANCE PARA A FOLHA

Há exatos 32 mil anos, a humanidade já era capaz de observar com precisão o céu noturno e desenhar constelações, usando as características das estrelas para auxiliar cálculos aqui na Terra. É essa a tese do pesquisador alemão Michael Rappenglück, que diz ter identificado o desenho da constelação de Órion numa pequena escultura do Paleolítico.
Batizada de "o antropóide no céu" por Rappenglück, a figura seria a mais antiga representação das estrelas feita por mãos humanas. Tal "mapa estelar" incluiria ainda, no verso, uma série de marcas que ajudariam uma mulher grávida a determinar quando ela iria dar à luz.
"Conheço essa escultura há muitos anos como um possível exemplo de calendário paleolítico, mas só agora consegui analisá-la de forma mais cuidadosa e fundamentada, o que confirmou a ligação dela com Órion", afirma o pesquisador, que já lecionou na Universidade de Munique e hoje trabalha no Instituto de Estudos Interdisciplinares, que ele criou.
Não é a primeira vez que o pesquisador cria teses polêmicas em seus estudos sobre arqueoastronomia (o ramo da ciência que estuda o surgimento e o desenvolvimento da astronomia entre os povos primitivos). Em 2000, ele anunciou ter identificado três estrelas da constelação das Plêiades no famoso mural pré-histórico da caverna francesa de Lascaux. "Os desenhos lá mostram que já havia sido criada uma espécie de cosmografia que, a seu modo, era bastante complexa", afirma.

O caçador do céu
Agora, Rappenglück se debruçou sobre uma tábua feita com marfim de mamute, encontrada em 1979 numa caverna perto de Blaubeuren, na Alemanha. O trabalho, um baixo-relevo de apenas 3,8 cm de comprimento, representa uma figura humana numa misteriosa postura de adoração ou súplica, e com proporções corporais um tanto estranhas.
É exatamente essa a pista que, para o pesquisador alemão, identifica o desenho com Órion, também chamado de "o Caçador" em várias culturas européias (graças ao mito grego que deu nome à constelação, no qual o caçador Órion vê a deusa Ártemis nua e é morto por ela, sendo transformado nas estrelas de mesmo nome).
Em primeiro lugar, argumenta Rappenglück, uma das pernas da misteriosa figura é mais curta que a outra, enquanto sua cintura é extremamente fina. Além disso, um curioso prolongamento no lado esquerdo da imagem corresponderia à famosa "espada" que os antigos gregos e romanos achavam estar dependurada nos flancos do caçador. Esses e outros traços menos óbvios do entalhe o identificariam com Órion (a cintura ou cinturão, provavelmente a marca registrada da constelação, é mais conhecida no Brasil pelo nome popular de Três Marias).
Para tentar corroborar a suspeita, o pesquisador usou um programa de computador capaz de "rebobinar" a configuração do céu do hemisfério Norte até sua provável aparência há 32 mil anos. Ao sobrepor a imagem conseguida dessa forma com o entalhe, a semelhança ficou evidente.
Já as pequenas marcas inscritas no lado externo da tábua, em número de 86, poderiam ser um calendário de gravidez, para o pesquisador. É que o número corresponde exatamente aos dias que teriam de ser subtraídos de um ano para chegar ao tempo médio de uma gestação humana.
E também é o número de dias em que Betelgeuse, uma das principais estrelas da constelação, fica visível no céu -como se os povos primitivos vissem uma ligação entre a gestação humana e as estrelas, especula Rappenglück.
Para o pesquisador, o fato de que tanto os povos da Europa paleolítica quanto seus descendentes modernos vejam a mesma imagem no céu sugere que há uma conexão entre os mitos e a visão de mundo desses caçadores pré-históricos e o homem de hoje -sem falar na origem da própria ciência. O estudo foi publicado nas Atas da Sociedade Européia para a Astronomia na Cultura.


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