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EVOLUÇÃO
Experimento com seres de computador mostra que estruturas complexas podem surgir de várias mutações aleatórias
Micróbio digital reafirma idéia de Darwin
CLAUDIO ANGELO
EDITOR-ASSISTENTE DE CIÊNCIA
Criaturas feitas de bits, que nascem, se reproduzem e morrem
dentro de um computador, acabam de confirmar um dos aspectos mais polêmicos da teoria da
evolução: o surgimento de estruturas complexas, como o cérebro
e o olho, decorre do acúmulo
aleatório de pequenas mutações
ao longo do tempo.
Estudando centenas de gerações dessas criaturas -na verdade, programinhas de computador
cuja única função na vida é competir por energia para se replicar-, pesquisadores da Universidade Estadual de Michigan e do
Caltech (Instituto de Tecnologia
da Califórnia), nos EUA, cravaram mais um prego no caixão do
chamado argumento do desígnio,
segundo o qual haveria uma "intencionalidade" por trás da evolução da complexidade nos animais
e, especialmente, nos humanos.
Mais ainda: o trabalho dos cientistas, publicado na última edição
da revista científica "Nature"
(www.nature.com), ajuda a esclarecer de vez um ponto da teoria
da evolução por seleção natural
sobre o qual seus próprios autores, os naturalistas britânicos
Charles Darwin (1809-1882) e Alfred Russel Wallace (1823-1914),
tinham algumas dúvidas.
Afinal, órgãos como o cérebro
não poderiam ter surgido do nada, e sim em etapas. Difícil era
provar isso, já que as formas intermediárias foram todas extintas
e o registro fóssil é incompleto.
"A beleza de estudar evolução
num computador é que não existem "elos perdidos" nos bancos de
dados", disse à Folha o biólogo
Richard Lenski, principal autor
do estudo. Ele trocou as bactérias
de seu laboratório pelo Avida
(dllab.caltech.edu/avida), um
software que simula, por meio de
instruções digitais, o desenvolvimento e a evolução da vida.
Os avidianos são criaturas parecidas com bactérias eletrônicas.
Eles têm um "genoma", representado por um conjunto de regrinhas matemáticas, se reproduzem assexuadamente, por bipartição (uma geração por segundo),
estão sujeitos a erros (mutações)
em cada cópia e competem num
ambiente por comida -no caso,
quantidades mínimas de eletricidade conhecidas como SIPs.
Para o alto e avante
O experimento do grupo de
Lenski partiu de uma linhagem
ancestral de avidianos com um
genoma simplório, de 50 instruções. Durante a competição por
SIPs e as sucessivas gerações, essas criaturas acumulavam diversas mutações aleatórias.
Algumas dessas mutações matavam as criaturas. Mas outras
tornavam-nas capazes de desempenhar um conjunto de instruções lógicas que lhes permitiam
ganhar energia extra, dando a elas
e a suas "filhas" vantagens sobre
as concorrentes.
No programa havia nove funções lógicas possíveis. A mais
complexa delas era a que dava o
maior bônus energético aos avidianos e também a mais difícil de
adquirir ao longo da evolução.
No entanto, os pesquisadores
observaram que, após 350 gerações, a maioria dos avidianos que
evoluíram a partir do ancestral
simples eram capazes de desempenhar a função mais difícil. O genoma também cresceu: de 50 para
83 instruções, em média.
Para chegar a desempenhar a
função mais complexa, todos os
avidianos passaram primeiro por
funções mais simples, que davam
uma recompensa menor.
Apenas uma mutação (mudança aleatória em uma das instruções do genoma) tornava alguns
indivíduos que já desempenhavam as funções simples habilitados a executar a complexa. No entanto, remover qualquer mutação
relacionada às outras funções eliminava a função mais difícil.
"A evolução geralmente pega
emprestado algum traço existente
e o usa para uma função nova. É
bem mais fácil que inventar algo
totalmente novo", disse Lenski.
O experimento também mostrou que, embora a evolução da
complexidade fosse o caminho
lógico, os avidianos perdiam a
função mais complexa quando
deixados num ambiente no qual
não havia recompensa por ela.
"Isso explica em parte por que
os seres humanos evoluíram, mas
sempre haverá espaço para as
bactérias", diz Lenski.
Embora a função complexa
possa ser comparada, em teoria, à
evolução do cérebro, Lenski diz
que os avidianos ainda têm muito
a evoluir: "Eles ainda não têm um
bom papo e não sabem sambar",
diz. "Não me importo em desligá-los depois dos experimentos."
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