São Paulo, segunda-feira, 10 de maio de 2004

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CLIMA

Antes de estrear, "The Day After Tomorrow" desencadeia polêmica sobre acuidade de desastres do aquecimento global

Tormenta ronda filme sobre efeito estufa

STEVE CONNOR
DO "INDEPENDENT"

O filme começa com um pedaço de gelo do tamanho da Escócia caindo no oceano Ártico. Em velocidade estonteante, ele se converte em temporais de granizo do tamanho de abacates bombardeando Tóquio, furacões golpeando o Havaí, tempestades de neve em Nova Déli e tornados varrendo Los Angeles.
Bem-vindo a "The Day After Tomorrow" (Depois de Amanhã), o último superlançamento de Hollywood, que apresenta a mudança climática como uma série dramática de desastres que varrem o mundo, num redemoinho de tempo horroroso.
Uma súbita mudança nas águas quentes da corrente do Golfo leva as temperaturas em Nova York e Londres a cair instantaneamente abaixo de zero, causando o tipo de era glacial que não se via há milhares de anos.
Os realizadores do filme estrelado por Dennis Quaid e Jake Gyllenhaal insistem em que ele é baseado em ciência de verdade, mas climatologistas têm questionado sua acuidade e criticado o modo pelo qual ele mostra a velocidade e o modo da mudança climática.
Os críticos dizem que o filme é profundamente enganador e poderia tornar o público indiferente à ameaça genuína posta pela mudança climática, ao vê-la trivializada pelo mesmo diretor de Hollywood que fez "Independence Day". Mas o consultor científico da fita reagiu aos críticos argumentando que "The Day After Tomorrow", que terá estréia mundial dia 28, vai fazer mais para atrair a atenção pública à maior das questões ambientais do que todos os artigos científicos e documentários objetivos.
Michael Molitor, consultor na área de mudança climática, diz que já recebeu mais contatos da imprensa, em razão de sua conexão com o filme, do que em 20 anos de trabalho com a ciência e a política do aquecimento global.
"A quantidade de comentários de climatologistas sobre esse filme tem sido inacreditável, o que acho um tanto cômico", disse Molitor. "O filme pode, de fato, ajudar mais a mudar o nosso curso para a direção correta do que todo o trabalho científico e todos os depoimentos [no Congresso dos EUA] juntos."
"The Day After Tomorrow" se passa em algum momento do futuro não muito distante e se baseia na idéia de que o aquecimento global pode detonar uma mudança súbita e dramática no sistema planetário do clima. O diretor Roland Emmerich escolheu um colapso repentino da corrente do Golfo e da gigantesca quantidade de calor -equivalente à energia produzida por 27 mil usinas elétricas- que ela leva do Caribe para a costa nordeste da América e para a Europa Ocidental.
A corrente do Golfo depende de uma outra corrente, de águas profundas, que segue na direção oposta sobre o leito do oceano, criando uma espécie de esteira rolante movida pelo afundamento de águas frias e salinas no nordeste do Atlântico, fenômeno batizado como circulação termohalina.
Esse motor da corrente do Golfo poderia, teoricamente, ser desligado pelo derretimento da camada de geleiras que recobre a Groenlândia. Isso lançaria enormes quantidades de água doce no Atlântico, diluindo a salinidade e, com isso, a densidade das águas de superfície.
"Uma mudança na circulação termohalina do Atlântico Norte é um dos cenários de mudança súbita do clima com que nós temos familiaridade", diz Molitor. "Há algum desacordo sobre a probabilidade, mas o fato de essa ligação ter sido feita é bem aceito. Nesse aspecto, o filme é preciso."
"O ponto em que o filme se afasta de nosso conhecimento é que as mudanças ocorrem no enredo numa escala de tempo que é provavelmente mais rápida do que esperaríamos."
Quando os climatologistas falam de mudanças súbitas, em geral se referem a alterações num período de décadas ou mesmo séculos, mas isso é devagar demais para acompanhar o ritmo de um filme de Hollywood, diz Molitor.


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