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São Paulo, domingo, 10 de agosto de 2003

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+ ciência

Jeff Bezos, da Amazon.com, ensaia alguns passos na área da exploração espacial por empresas, que conta até com um prêmio-desafio, como no início da aeronáutica

ESPAÇO PRIVADO

Steve Connor
do "Independent"

Para uma companhia de alta tecnologia supostamente envolvida na exploração da noção futurista de turismo espacial, é surpreendentemente difícil fazer contato com alguém na sede da Blue Origin, em Seattle, noroeste dos EUA. A firma não consta da lista telefônica local, e seu site na internet não oferece outra forma de contato -a não ser que você seja um cientista de foguetes. Nesse caso, você é convidado a enviar um e-mail para o departamento de recrutamento da companhia.
Um cético pode questionar se a Blue Origin é para valer, ou apenas mais um cibertigre de papel. Apesar disso, o nome enfeita um toldo azul do lado de fora de um depósito numa rua de Seattle. Os registros da companhia, datados de 2000, revelam que foi montada a partir de um escritório no velho Pacific Medical Centre, um prédio ocupado pela Amazon.com, o maior vendedor de produtos da internet.
A Blue Origin foi criada por Jeff Bezos, fundador da Amazon.com, mas não tente ligar para falar sobre isso: ninguém, parece, quer falar sobre a Blue Origin, muito menos Bezos. Não falar parece ser uma prerrogativa de homens ricos, e Bezos é um homem extremamente rico, com uma fortuna estimada em US$ 1,7 bilhão.
Em fevereiro, duas semanas antes de o ônibus espacial Columbia se desintegrar nos céus do Texas, Bezos falou, ao menos de maneira privada, sobre a Blue Origin e suas ambições espaciais. Ele foi convidado para um almoço no Caltech, o Instituto de Tecnologia da Califórnia, que é contratado da Nasa para administrar seu Laboratório de Propulsão a Jato (JPL), em Pasadena, um dos principais centros de pesquisa espacial.
O Caltech estava interessado em Bezos porque procurava patrocinadores para seu novo telescópio terrestre. Após a visita a alguns dos projetos de pesquisa do JPL, o grupo sentou-se à mesa para almoçar. Bezos levara com ele alguns de seus empregados da Blue Origin, assim como o escritor de ficção científica Neal Stephenson, amigo próximo e confidente do bilionário da internet.
Durante o almoço, os cientistas do Caltech perceberam que o sonho de receber um cheque gordo para o telescópio não iria se realizar. "Ficou claro que a Blue Origin era o destino do dinheiro de Bezos", relembra Richard Ellis, cientista do Caltech e ex-professor de astronomia da Universidade de Cambridge (Reino Unido). Ellis se sentou entre dois empregados da Blue Origin e investigou a fundo suas ambições espaciais. Eles apresentaram a linha da companhia, conforme está descrita em seu website para potenciais recrutas. "Você precisa ter uma paixão genuína pelo espaço. Sem paixão, você descobrirá que o que estamos tentando fazer é muito difícil. Há trabalhos muito mais fáceis", diz o site. "Nossa nota de corte para contratação é desavergonhadamente alta", continua. A política da companhia é manter seus grupos de pesquisa deliberadamente pequenos, "o que significa que cada pessoa ocupando um lugar precisa estar entre as tecnicamente mais capazes em seu campo". O site se vangloria ostensivamente: "Estamos construindo equipamentos, não apresentações de PowerPoint. Isso precisa empolgá-lo. Você tem de ser um construtor".


O multimilionário Peter Diamandis estabeleceu um prêmio de US$ 10 milhões para a primeira companhia privada que enviar uma tripulação de três pessoas ao espaço suborbital numa nave reutilizável


Idéias esquisitas
Durante a refeição, Ellis começou a questionar Bezos sobre exatamente o que a Blue Origin estava construindo, ou tentando construir. Ele queria ter alguma idéia do mecanismo físico em mente para levar pessoas ao espaço de forma mais econômica que um foguete pago com impostos. O pessoal da Blue Origin falou de propulsão, fontes de energia e questões relacionadas ao vôo espacial, mas Ellis não ficou impressionado. "Para ser honesto, minha opinião na época foi a de que tudo soava muito esquisito", diz. Esquisito ou não, Bezos não está sozinho. Uma porção de homens muito ricos está interessada em viagem espacial particular. Tome Peter Diamandis, um multimilionário que estabeleceu um prêmio de US$ 10 milhões para a primeira companhia financiada por fontes privadas a enviar uma tripulação de três pessoas ao espaço suborbital, duas vezes em duas semanas, usando o mesmo veículo reutilizável. Diamandis o batizou de Prêmio X, inspirado na série "X" de aeronaves criadas pelo governo americano para vôos de alta altitude. Diamandis tirou a idéia de um prêmio para a viagem espacial após ler um livro chamado "Spirit of St. Louis", escrito por Charles Lindbergh, que em 1927 foi a primeira pessoa a fazer um vôo ininterrupto de travessia do Atlântico. O vôo de Lindbergh a Paris foi uma tentativa de ganhar o Prêmio Orteig, de US$ 25 mil. Quando o Prêmio X foi lançado em St. Louis, em 1996, muitos engenheiros espaciais o consideraram uma espécie de piada. Afinal, custou bilhões de dólares para levar um homem ao espaço e -mais importante- trazê-lo de volta em segurança. Há agora cerca de 25 competidores, alguns mais sérios, outros menos, que acreditam ser capazes de ganhar o Prêmio X. Talvez o mais sério deles seja um projeto administrado por um dissidente da aviação californiano chamado Burt Rutan, que tem um histórico confirmado de sucesso projetando e construindo aeronaves exóticas. Seu White Knight (cavaleiro branco) -um avião descrito pela revista "Wired" como mistura de nave espacial e veículo aquático- fez vôos de teste sobre o deserto Mojave, na Califórnia, no começo do ano. Rutan, que, dizem, tem o apoio financeiro de Paul Allen, o bilionário da Microsoft, espera que o White Knight leve uma nave menor, chamada SpaceShipOne (nave espacial um) a 15 km de altura. Dessa altitude, ela será ejetada, e seus motores de foguete irão levar a tripulação de três pessoas ao espaço suborbital, a 100 km do solo. A essa altura o mundo parece bem diferente. Para começar, você está acima de mais de 99% da atmosfera da Terra e pode ver distintamente a curvatura do planeta. Foi para lá que Alan Shepard, o primeiro astronauta americano, fez seu vôo pioneiro de 1961. Mas ainda é bem menos do que um verdadeiro vôo orbital, como o do russo Iuri Gagarin, o primeiro cosmonauta, algumas semanas antes, em sua épica viagem. Um vôo suborbital é como disparar uma bala de canhão no céu e esperar que retorne ao chão. Exige velocidades de uns 4.000 km/h. O vôo orbital só pode ser atingido se o veículo chegar a 28.000 km/h. O problema é que não existe meio-termo -ou se está em vôo suborbital, ou em órbita. E se a órbita for alcançada, há a complexa e perigosa questão da reentrada na atmosfera da Terra, com toda a fricção e o calor que ela gera -um fenômeno que no fim das contas levou à desintegração do ônibus espacial Columbia.

Pólo Sul X Equador
Ellis diz que um prêmio para vôo suborbital faz pouco, se é que faz, para alimentar a verdadeira viagem espacial orbital. "É como estar no começo do século 19 e alguém dizer, "Bem, estou certo de que algum dia alguém irá ao pólo Sul, então aqui está um prêmio de 1 milhão de dólares para alguém ir ao Equador". Ir ao espaço de forma barata -genuinamente ao espaço, quer dizer- é coisa bem diferente." Alan Bond, o engenheiro de foguetes britânico que projetou o fracassado mas revolucionário motor de foguete Hotol (decolagem e aterrissagem horizontais, na sigla em inglês), também está atacando a premissa do Prêmio X. "É muito cheio de firulas e é potencialmente perigoso. No papel, você pode lançar um foguete e ganhar o prêmio, contanto que tenha cortado as medidas de segurança. Mas põe vidas em risco a troco de nada", diz Bond, que agora administra uma companhia em Oxfordshire chamada Reaction Engines.

Missão impossível
Se segurança não fosse um problema, seria possível construir um veículo reutilizável suborbital por cerca de US$ 30 milhões. Já com passageiros pagantes envolvidos, seria necessário multiplicar esse preço pelo menos por dez, para garantir um mínimo de segurança. "Se a indústria fosse construir um veículo desses corretamente, os custos de desenvolvimento estariam bem acima de US$ 1 bilhão. E eles estão oferecendo um prêmio de US$ 10 milhões, o que significa que só há um meio de fazê-lo." Em outras palavras, sacrificar a segurança, diz Bond.
Considere apenas um único exemplo do que precisa ser feito. Construir só um componente crucial de um motor de foguete -a câmara de combustão- poderia exigir 400 testes de disparo. "Estamos, afinal, falando sobre a liberação do equivalente energético de uma pequena estação de força, e o nome do jogo é teste, teste, teste -e teste de novo. Isso custa um bom dinheiro."
Mais importante, para Bond: qual a vantagem de fazer um vôo suborbital que dure não mais que 10 ou 15 minutos? "Passeios em torno do farol foram populares por vários anos", diz, mas não serviam propósito algum além da diversão de pessoas com dinheiro para gastar.
Não é exatamente assim que os defensores do Prêmio X vêem a coisa. Para esses empreendedores, o espaço oferece esperança de benefícios econômicos e oportunidade para crescimento pessoal. "Assim como a América se tornou um símbolo de esperança para milhões ao redor do mundo, o espaço vai oferecer a promessa da liberdade e da oportunidade para os bilhões vivendo no século 21", diz o site do Prêmio X.
Ninguém vai deixar de perceber que os homens muito ricos por trás dessa iniciativa privada para enviar pessoas ao espaço não estão fazendo isso para o benefício da humanidade. Como diz Ellis: "Esses caras têm muita grana para gastar, e parecem estar se divertindo".
Após o encontro com Jeff Bezos, ele saiu com a clara impressão de que o chefe da Amazon também estava se divertindo com a idéia de turismo espacial. "Mas devo dizer que ainda não vejo evidência de que Bezos e a Blue Origin tenham uma idéia." Será necessário mais que uma distração intelectual de um homem rico para levar e trazer pagantes ao espaço -em segurança.


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